ONG avalia que é preciso educar população sobre como fiscalizar o Estado

Para Caio Magri, do Ethos, vantagem da conferência de controle social, cujas etapas municipais começam a partir deste mês, é que medidas por transparência podem ser adotadas de imediato

São Paulo – A organização da Conferência de Transparência e Controle Social (Consocial), que será realizada no próximo ano em Brasília, já movimenta instituições interessadas no tema. A partir deste mês estão convocadas as etapas municipais e, de novembro a abril, as estaduais. A discussão nacional ocorre em Brasília entre 18 e 20 de maio de 2012. Apesar de todos os eventos similares representarem a possibilidade de maior participação, esta será diferente.

Caio Magri, gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos, uma das entidades envolvidas na montagem da Consocial, ressalta que, já nesta primeira fase, sairão políticas públicas importantes para proporcionar mais transparência na gestão das cidades. “No dia seguinte (à etapa municipal), a sociedade pode acionar alguns mecanismos diretos de busca do controle social sobre o governo local. Controle social se realiza na base, se realiza diretamente na relação da gestão do Estado com o cidadão.”

Controle social é uma expressão tão nova quanto simples: quer dizer que o cidadão promove a fiscalização das ações do Estado, desde as contas públicas até o cotidiano político, passando pelo respeito aos direitos básicos, como educação e saúde. A internet é vista como um fator facilitador deste trabalho na medida em que torna mais rápida e simples a busca por dados sobre a execução do trabalho do Estado. Nesse sentido, Magri indica o Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU), como uma referência de bom trabalho.

Para ele, a eficiência da Consocial está diretamente ligada a um trabalho de esclarecimento. “Por que não se vai fazer uma campanha de esclarecimento para que as pessoas acessem o Estado? Esse diálogo de demanda e resposta, que é pedagógico, tem de ser ensinado a todo mundo”, afirma.

Confira a seguir a segunda parte da entrevista concedida à Rede Brasil Atual.

“Se alguns anos atrás você tinha dificuldades de acessar (as informações sobre orçamento) por entraves políticos e tecnológicos, hoje a tecnologia está dada; só falta resolver a questão política.” – Caio Magri, gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos

RBA – Qual a importância da Consocial?

Caio Magri – A Conferência sofreu, desde sua proposta inicial até agora, alguns ajustes importantes. Foi pensada, pelo menos por parte da sociedade civil, para que a gente pudesse realizar uma conferência com dois assuntos fundamentais. Transparência dos gastos de tudo o que se refere ao Estado e uma nova política de combate à corrupção. O formato definindo tem quatro eixos temáticos, mas vamos jogar muito peso para sair com propostas concretas no combate à corrupção.

E ainda

Uma coisa importante é que, ao realizar uma conferência municipal de transparência e controle social, no dia seguinte a sociedade pode acionar alguns mecanismos diretos de busca do controle social sobre o governo local. Controle social se realiza na base, diretamente na relação da gestão do Estado com o cidadão. Por mais que a gente possa propor diretrizes e linhas diretas para uma política nacional, não se pode perder a oportunidade de fazer coisas imediatamente. Não tem muito que esperar processos. Claro que precisa direcionar para as etapas estaduais e nacional, mas é uma conferência diferente.

RBA – A internet parece ter se transformado numa ferramenta fundamental no controle social, por permitir, a um só tempo, maior divulgação e facilitar a fiscalização.

Isso é fundamental. Se alguns anos atrás você tinha dificuldades de acessar (as informações sobre orçamento) por entraves políticos e tecnológicos, hoje a tecnologia está dada; só falta resolver a questão política. Claro que tem um custo e é preciso pensar em como equipar essas prefeituras com ajuda para poder implementar essas ferramentas. Isso vai facilitar muito o processo de controle social e favorecer o cumprimento da lei por parte de órgãos. Se a Lei de Acesso à Informação for aprovada, a partir de um certo momento, vai ser obrigatório colocar à disposição todos os dados. Se a sociedade conseguir declarar claramente o que ela quer como informação e o Estado responder, teremos um processo muito interessante – e novo.

“Se o Estado precisará, por força de lei, fornecer as informações, vai ter de fazer isso de forma absolutamente pedagógica. É como fazer uma campanha de vacinação. Por que não se vai fazer uma campanha de esclarecimento para que as pessoas acessem o Estado? (…)  Tem de entrar no currículo das escolas, tem de haver um processo educativo.” – Caio Magri, gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos

RBA – Existe alguma página que seja referência em termos de transparência?

A da CGU. É uma referência de como deve ser um portal de transparência de dados públicos. Se a gente não tivesse, ia ficar imaginando, idealizando um. Claro que a CGU precisa se aperfeiçoar. O portal da Copa está com algumas lacunas, por exemplo, mas como é um órgão que vive da informação de terceiros, é muito bom o tratamento dos dados. É a referência de qualidade.

RBA – Muitos cidadãos não conhecem os trâmites, onde buscar a fiscalização. A Consocial pode ajudar nesse sentido?

Acho que a conferência vai ter de decidir que esta é uma linha obrigatória. Se o Estado precisará, por força de lei, fornecer as informações, vai ter de fazer isso de forma absolutamente pedagógica. É como fazer uma campanha de vacinação. Por que não se vai fazer uma campanha de esclarecimento para que as pessoas acessem o Estado? Esse diálogo de demanda e resposta, que é pedagógico, tem de ser ensinado a todo mundo. Tem de entrar no currículo das escolas, tem de haver um processo educativo. Com isso as pessoas não terão mais essa barreira da pedagogia da informação. Precisamos produzir manuais para se ler contratos, para se controlar o orçamento público…

RBA – Que diferenças esse recorte pedagógico podem trazer?

Todo mundo fica indignado com a corrupção, mas muitas vezes continua tendo comportamentos não éticos no dia a dia. Que não é corrupção, é se aproveitar de uma situação, levar vantagem. “Jeitinho brasileiro” não pode ser confundido com corrupção, que precisa de duas partes e um agente público no meio. O jeitinho para acomodar situações muitas vezes ultrapassa essa linha. Se a gente não tiver uma cultura de ética nas relações estabelecidas em grupos, é difícil mudar a cultura de corrupção. Mas isso é lento. Se a gente conseguir ter acesso à informação e colocar o cidadão mais ativo no controle das coisas públicas, isso vai se refletir depois, nas questões culturais.

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