Parada LGBT é o “momento de visibilidade da luta”

Toni Reis, presidente da ABGLT, avalia que houve importantes avanços nos direitos da comunidade de gays, lésbicas, travestis e transexuais

Toni Reis, que enfim conseguiu realizar a união estável com seu companheiro, pretende vencer na Justiça a batalha pela adoção de uma criança (Foto: Brizza Cavalcante. Agência Câmara)

Curitiba – A comunidade LGBT no Brasil vive neste fim de semana seu momento de maior visibilidade no ano. Três milhões de pessoas são esperadas nas ruas de São Paulo para mais uma Parada do Orgulho LGBT, que já se transformou no segundo evento mais rentável da capital paulista, atrás apenas da Fórmula 1.

São dias em que as notícias sobre gays, lésbicas, transexuais e travestis figuram nas páginas de cidadania do noticiário, deixando de frequentar o noticiário policial, como o foi algumas vezes desde o segundo semestre do ano passado. 

“A nossa forma de visibilidade é adaptada para o jeito brasileiro, diferente de um modelo americano, europeu de fazer as paradas. O fazemos de uma forma muito alegre, muito cidadã”, comenta Toni Reis, presidente da ABGLT. Em um café de Curitiba, em uma tarde fria de maio, ele recebeu a reportagem para uma entrevista.

Militante desde a década de 1990, ele vê com admiração o avanço das conquistas da comunidade LGBT nos últimos anos. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a união estável entre pessoas do mesmo sexo goza dos mesmos direitos que a realizada entre mulher e homem. Reis pôde, enfim, ir ao cartório e oficializar sua relação com o britânico David Harrad, com quem vive há 21 anos.

O casal aguarda agora decisão do Superior Tribunal de Justiça para poder adotar uma criança. Em primeira instância, o juiz autorizou a adoção, mas apenas no caso de ser uma menina e com mais de dez anos. Por considerar que a decisão é discriminatória, Reis ingressou com recurso. 

Confira a seguir a primeira parte da entrevista.

RBA – Vimos na última década uma explosão no êxito e nas reivindicações da comunidade LGBT.

Tive a oportunidade de morar na Europa por quatro anos, onde conheci meu companheiro, e quando nós voltamos ao Brasil, havia 15 organizações LGBT, hoje nós estamos em torno de 300. Não tínhamos nenhuma parada LGBT, hoje temos 270, em todas as capitais e em todos os estados. Hoje a maioria dos municípios já tem algum tipo de lei, algum tipo de ação. A partir da visibilidade que a mídia em geral tem proporcionado, isso tem levantado um debate e temos conseguido esses avanços. Eu vejo que as paradas deram uma credibilidade às nossas comunidades. Em 1995, em Curitiba, fundamos com 31 grupos a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, e hoje nós temos 237 associações afiliadas. É um processo de evolução, estamos preparados para todos os tipos de críticas e desafios e a história está ao nosso lado, isso aconteceu na Europa, aconteceu no Canadá, que é um dos países mais desenvolvidos  em termos de direitos humanos.

Quem acompanha as paradas pela TV ou pela internet pode não ter a dimensão exata. Qual a importância das paradas?

A parada foi um momento de visibilidade, mostrou que não somos 4 ou 5 gays e lésbicas, nós somos 10% da população. A nossa forma de visibilidade é adaptada para o jeito brasileiro, diferente de um modelo americano, europeu de fazer as paradas. O fazemos de uma forma muito alegre, muito cidadã. A primeira marcha teve em torno de 2 mil pessoas em Brasília, na segunda tivemos 15 mil. Toda e qualquer população que quer fazer reivindicação tem de se mobilizar e colocar a boca no trombone, acho que é fundamental para a evolução dos direitos.

O censo do IBGE contabilizou 62 mil uniões entre pessoas do mesmo sexo, esse número é pequeno?

Fizemos uma reivindicação para que o IBGE colocasse a questão da orientação sexual das pessoas, mas não deu, aí colocaram a questão da orientação sexual dos casais, o que foi interessante. Foram 62 mil casais, para a gente é apenas a ponta do iceberg porque o IBGE tinha o formulário simplificado e o formulário amplo. É apenas um número que mostra que não eram 2 ou 3 casais, eram 60 mil pessoas que estavam à margem de seus direitos. Com certeza no próximo censo nós teremos 600 mil casais. Depois do STF as pessoas estão mais livres, poderão assumir nos seus trabalhos porque estamos mais seguros.

Como foi a ligação telefônica do presidente Lula no dia em que vocês fizeram a união estável?

Primeiro ele reclamou: ‘Como é que é, companheiro, faz o seu casamento aí e não me convida pra festa?’. Até expliquei para ele que não foi uma festa, que foi apenas um registro em cartório, e que devemos convidá-lo para os 25 anos, que devemos completar daqui a quatro, na nossa relação, as bodas de prata. Ele desejou felicidade, que continuemos e que ele sempre estará apoiando a questão da dignidade, da cidadania, dos direitos humanos.  E para nós é importante, porque é o mandatário mais popular da história do Brasil. Até brinquei dizendo que foi até mais emocionante do que o beijo que a gente deu lá no cartório.

No meio desses 21 anos, vocês tiveram um problema com a situação diplomática do David.

Morei na Espanha, na Itália, na França. Encontrei o David na Inglaterra no dia 29 de março de 1990, e fiquei com o David por dois anos e ele me fez uma proposta de que se eu esperasse um ano, ele iria comigo para o Brasil. Daí ele veio, conheceu minha família, as pessoas, gostou muito da caipirinha, da feijoada, do jeitinho brasileiro. Em 1996 tivemos um problema com o visto dele, foi preso pela Polícia Federal e deram 7 dias para sair do país. Na época precisaria de atender a uma de  três questões para ele ficar no país: aplicar 300 mil dólares, ter um filho ou se casar com uma mulher brasileira. Nenhuma opção dava pé para a gente. Apareceram 40 mulheres para casar com ele, inclusive minha própria mãe, mas nós conseguimos com um jeito brasileiro, envolvendo até nossa ex-primeira dama, Ruth Cardoso, em que ele foi consultor do Ministério da Saúde no programa de Aids. 

Sua mãe sempre deu apoio à luta?

Minha mãe, a partir do momento em que eu falei que era gay, falou que eu era um doente, um pecador e uma pessoa desorientada. Me levou para Pato Branco, me levou para o médico, depois para o padre fazer novena, fizemos várias situações de curas, de promessas, que eu sou de uma família mais tradicional do interior. Aos 14 anos minha mãe estava muito preconceituosa, mas aos 27 anos ela aceitou que eu me casaria com meu marido para sermos felizes. Eu sempre falo que minha mãe mudou e que o Brasil também está mudando. As pessoas são assim, a gente tem que crer que as pessoas mudam, e os próprios fundamentalistas já evoluíram.

Você acha que a restrição imposta a vocês na adoção de uma criança é reveladora do pensamento de que a formação da sexualidade vem de um “modelo”?

Talvez seja mesmo um preconceito das pessoas. No dia 12 de maio, numa palestra que fiz na Câmara Municipal de Curitiba, um vereador de 69 pediu perdão por todos os preconceitos que ele tinha contra nossa comunidade. Aquilo me emocionou, e eu falei que também fui ensinado desde criança tanto na minha família quanto na escola que judeu não era uma pessoa boa, que não acreditava em Cristo e portanto judeu não era uma boa companhia. Eu fui criado assim, depois fui percebendo que era um grande preconceito da minha parte. Todo mundo tem seus preconceitos, suas formas de julgar, os juízes também.