Em meio a retrocessos do novo Código Florestal, cadastro rural pode trazer avanço

Para ambientalistas, Dilma terá papel-chave na definição do texto final

São Paulo – Perto de votação final do Código Florestal no Senado, a possibilidade de ajustes na proposta ainda permite esperanças a ambientalistas. O embate com a bancada ruralistas no Congresso Nacional e com lideranças ligadas ao agronegócio marcou toda a tramitação do texto. A uma semana de ser aprovada pela quarta e última das comissões pelas quais precisa passar antes de ir a plenário, a avaliação é de que as mudanças propostas podem tornar a legislação inócua na proteção de florestas, margens de rios e áreas de encostas, por exemplo.

A representante da ONG The Nature Conservancy (TNC) no Brasil, Ana Cristina Barros, afirmou que o item que propõe a criação de um registro ambiental das propriedades rurais é “o maior ganho dessa discussão do código”. Para a ativista, a medida pode representar o início da “salvação” do Código Florestal, mesmo estando, “na corda bamba”.

O papel do cadastro seria deixar claro o patamar de preservação de cada propriedade. Com isso, a aplicação de sanções, multas e restrições de crédito a desmatadores poderia ser facilitada. Ana Cristina, que na quinta-feira (17) participou de debate em São Paulo, ressalta que a maneira como o registro está sendo proposto ainda é baseado em informações “ultrapassadas”, a partir de memoriais descritivos e não em dados tecnológicos mais precisos. “O registro rural poderá fazer o controle de forma inteligente, conhecendo limites, nomes e dados do produtor. Mas o texto ainda é para o Brasil (dos tempos) da máquina de escrever”, pondera a pesquisadora.

Ela considera ainda que as principais propostas do novo código representam muito mais perdas ambientais do que ganhos, principalmente àqueles produtores que sempre tiveram conduta legal em relação à produção agrícola compatível com a legislação.

Bem menos otimista, o jornalista e consultor ambiental Washington Novaes critica duramente todo o projeto de reforma da legislação ambiental do país. Ele cita, como exemplo de equívocos da matéria, a possibilidade de transferência de competência para estados e municípios para decidir sobre Áreas de Proteção Permanente (APPs). Também considera um erro anistiar produtores que promoveram desmatamentos até junho de 2008 e a possível mudança da instituição de reserva legal para propriedades de até quatro  módulos fiscais.

Para ele, a sociedade brasileira ainda precisa despertar para a necessidade de atuar com vigor em relação aos temas de interesse comum. “A gente vive a retórica da indignação. Nós nos indignamos com tudo, mas não se faz nada. Não transformamos tudo isso em mudança política”, alerta Novaes. Ele cita ainda a ineficiência de aplicação de multas por parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que no ano de 2010 emitiu um total de  R$ 1 bilhão em autuações mas que arrecadou apenas cerca de 5% do valor.

No Executivo

Debatedor convidado do evento, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero afirmou que a maneira mais adequada de avaliar o projeto de alterações do Código Florestal é considerar o que vem depois da votação no Congresso. Para ele, a presidenta Dilma Rousseff vai ter um papel fundamental na matéria, pois será ela quem vai “reagir àquilo que está sendo proposto por ambos os lados”.

“Ela (a presidenta) tem posições muito definidas e firmes. Não se sabe até que ponto haverá ingerência dos partidos ou do próprio governo. Mas Dilma é diferente de todos os outros presidentes e sempre teve uma resposta firme sobre aquilo em que acredita”, ressaltou Ricupero.

Fase final

O projeto de alteração do Código Florestal brasileiro foi aprovado na Câmara em maio e já passou por três das quatro comissões no Senado. Resta apenas a análise da Comissão de Meio Ambiente, que terá seu relatório apresentado na segunda-feira (21) e votação na terça-feira (22). De acordo com informações de Ana Cristina Barros, da TNC, os senadores prometem modificar o regimento da Casa – que determina ao menos cinco dias para que sejam apresentadas emendas ou se algum parlamentar pedir vista ao relatório – e levar à votação em plenário já no dia 24.

Após a votação dos senadores, o projeto volta à Câmara, que pode acolher ou rejeitar as mudanças. A matéria seguirá então para sanção presidencial.

Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal brasileiro começou desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado, segundo analistas). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento, incluindo áreas perto de rios e em encostas de morros.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos para conter o desflorestamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original precisa ser mantida para evitar que erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas ambientais, sejam acelerados. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, e adiado por quatro vezes até agora. A decisão prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida uma forma de aumentar o desmatamento. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.

Na Câmara, o relator de comissão especial sobre o tema foi o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – atual ministro do Esporte –, que atuou de modo alinhado às expectativas dos ruralistas e sob críticas de ambientalistas. No Senado, Luiz Henrique (PMDB-SC) ficou encarregado de comandar os trabalhos em três das quatro comissões pelas quais a matéria precisa passar. Quando ocupou o governo catarinense, ele sancionou mudanças na lei ambiental, tornando-as mais brandas do que as nacionais, em uma medida ainda pendente  na Justiça.