Desembargadora sugere espaço para estados tornarem Código Florestal mais rígido

Autonomia de governadores e de assembleias legislativas para alterar a lei ambiental é um dos temas polêmicos do projeto que tramita no Senado

São Paulo – Um dos mecanismos do atual Código Florestal brasileiro para proteger a vegetação original, as áreas de preservação permanente (APPs) poderiam ser transformadas em área de uso sustentável na proposta de mudança do código, que tramita no Senado, segundo a desembargadora e professora de direito ambiental, Consuelo Yoshida. A redução do espaço que precisa ser preservado perto de rios e em encostas de morro é um dos pontos mais polêmicos do texto em análise pelos senadores, depois de ter sido aprovado na Câmara Federal em maio.

O uso sustentável permitiria supressão da vegetação, como almejam os defensores da reforma da legislação, mas desde que isso acontecesse para fins de utilidade pública e com baixo impacto. “Não critico o novo Código Florestal, mas se a mudança introduzir conceitos jurídicos indeterminados, permitindo interpretação livre, aí vem o problema”, ponderou  Consuelo, durante o debate “Reforma do Código Florestal: Buscando uma solução de consenso”, promovido pela Universidade Mackenzie nesta sexta-feira (7), na capital paulista.

Também participou do debate o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator da matéria do Código Florestal em três das quatro comissões pelas quais a matéria irá passar antes de ir a plenário. Ele foi responsável por detalhar em quais condições seria possível para um proprietário rural ou órgão público obter autorização para reduzir APPs – o que incluiria obras de infraestrutura para eventos esportivos, como a Copa do Mundo ou a Olimpíada.

Esse risco de “flexibilização” é crítico porque depende de quem interpreta e de quem aplica a norma. O temor é que as possibilidades incluídas no código para desmatamento em APPs sirvam de brecha para devastação sem critério nem limites claros. “(Nessa questão) não se pode considerar a expressão ‘onde se passa um boi, passa uma boiada'”, aponta a desembargadora.

Ela enfatizou que a reforma do Código Florestal só pode ser considerada positiva caso venha de um patamar de legislação “que se pressupõe responsabilidade”.

Ainda sobre as APPs, Consuelo mostrou-se favorável à possibilidade de os estados legislarem sobre o tema, eventualmente reduzindo a área mínima exigida de proteção. A preocupação de ambientalistas é que as autoridades regionais possam ser ainda mais suscetíveis a pressões do agronegócio do que a esfera federal. A possibilidade foi introduzida pela emenda 164, incorporada ao projeto aprovado pelos deputados em abril a partir de demanda de parlamentares do PMDB. A aprovação da cláusula foi a primeira derrota formal do governo Dilma Rousseff no Congresso – a rigor, embora contasse com recomendação de voto favorável, o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) não agradava ao Palácio do Planalto.

Yoshida considera que quando uma legislação federal é extremamente detalhada, sobra pouco espaço para estados terem autonomia para legislar. A desembargadora defende a divisão da legislação para ficar claro quais são os limites dentro dos quais governadores e assembleias legislativas poderiam completar a lei. “O estados podem plenamente legislar para atender suas peculiaridades locais. Porém,  estados podem usar a competência supletiva, criando formas ainda mais rígidas de controle, mas não usando formas permissivas”, afirmou.

Ela cita um modelo de lei aplicada no estado de São Paulo, onde se proibiu o uso de amianto em qualquer atividade. A fibra mineral, empregada até então como matéria-prima para caixas d’água e telhas, além de pastilhas de freio e outros bens, provoca problemas respiratórios e câncer a trabalhadores expostos a resíduos em pó do produto. A legislação paulista vai além do que determina a nacional, mas foi baseada em recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal Brasileiro começaram desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos de controle de desmatamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original precisa ser mantida para evitar acelerar a erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas ambientais. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e adiado por quatro vezes, que prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida uma forma de aumentar o desmatamento. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.