Reserva legal não é exclusividade da lei brasileira, mostra estudo

Pesquisadora desmente um dos principais argumentos dos ruralistas para mudar Código Florestal, que afirmam que exigência não se aplica na legislação ambiental de outras nações

Na Amazônia, 80% da propriedade rural deve ser reserva legal; produtores raramente respeitam a legislação (Foto:Ministério do Meio Ambiente)

São Paulo – Um dos principais argumentos de setores agrícolas e da bancada ruralista do Congresso Nacional para defender mudanças no Código Florestal brasileiro, as reservas legais não são de exclusividade das propriedade privadas no Brasil. De acordo com estudo feito pela professora de direito ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Ana Maria de Oliveira Nusdeo, em outros países ou estados, sobretudo os que têm vegetação e clima semelhantes aos do Brasil, a legislação também exige a preservação de uma porcentagem da área e, na maioria das vezes, com determinações mais rigorosas que as do Brasil, por não autorizar brechas para novos desmates.

A condição de reserva legal, no caso brasileiro, se define por uma área localizada em propriedade rural, necessária à conservação de fauna e flora nativas. É um dos principais mecanismos de preservação previstos no Código Florestal brasileiro – outro são as áreas de preservação permanente (APP), perto das margens de rios e encostas de morros.

Ana Maria explica que, no Brasil, o produtor que respeita a reserva legal e as APPs obtém direito à supressão, ou seja, tem carta branca para desmatar outras áreas da propriedade. Ela lembra que apenas na Mata Atlântica isso não é possível por existir leis que impedem novos desmatamentos no bioma.

“Descobriu-se que no Paraguai, por exemplo, uma porcentagem deve ser preservada em cada propriedade rural, independente de sua área. Mais comum do que ter uma área já preservada é ter um zoneamento que determina qual é a área que, obrigatoriamente, deve ser preservada. As pessoas não têm mais o direito de fazer novos desmatamentos, diferente do Brasil”, pontuou a pesquisadora.

No caso da legislação paraguaia, a parte preservada é de 25% do total da área, independentemente da região do país. Já nas determinações que referem-se à proibição relativa de desmatamento para uso alternativo do solo, no estado de New South Wales, na Austrália, por exemplo, se exige um plano de supressão da vegetação indicando a área que ficará preservada, com índices normalmente superiores a 20% do tamanho total da propriedade.

No estado da Califórnia, nos Estados Unidos, para se obter uma autorização de novos desmates, deve-se demonstrar que o propósito é de interesse público. Nesses casos, a obtenção de autorização de desmate será anulada caso as áreas sejam consideradas inadequadas.

No Brasil, a atual legislação obriga que a área de vegetação que deve ser poupada do corte raso em propriedades rurais seja de 80% na Amazônia, 35% no cerrado amazônico e 20% no restante do país. Entretanto, apesar de manter os mesmos índices de proteção, a proposta de um novo código florestal brasileiro contém itens que podem causar dúvidas na sua interpretação, como exemplo, a possibilidade de incluir no cômputo da reserva legal as áreas de preservação permanente (APPs), o que, no código atual, é proibido.

Ana Maria Nusdeo constata que a tendência de todas as legislações nos países e estados que foram pesquisados é de que a caminhada se direciona a um sentido de aumento da proteção ambiental, pois os países começaram a assumir obrigações internacionais e adquriram conscientização sobre o meio ambiente.

Segundo ela, caso o Brasil tome um rumo oposto ao da maioria dos países, haverá uma profunda insegurança jurídica quanto à inconstitucionalidade da mudança da legislação. “As demais legislações tendem a restringir progressivamente as possibilidade de conversão de novas áreas de exploração econômica. Exatamente o contrário do que o Brasil vem propondo (no atual debate de revisão do Código Florestal)”, finaliza a advogada.

Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal Brasileiro começaram desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos de controle de desmatamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original precisa ser mantida para evitar acelerar a erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas ambientais. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e adiado por quatro vezes, que prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida uma forma de aumentar o desmatamento. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.

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