Com Novo Código Florestal, Brasil deixará de recuperar um Rio Grande do Sul em mata

Pesquisa do Ipea prevê, em cenário “otimista”, que 29 milhões de hectares de mata nativa serão absorvidos por anistia proposta por Aldo Rebelo e bancada ruralista

Ipea alerta que 18 milhões de hectares na Amazônia deixariam de ser recompostos caso Código Florestal seja alterado (Foto: Sidney Murrieta/Divulgação)

São Paulo – Uma nova ofensiva da bancada ruralista no Senado levará o Brasil a deixar de recuperar 29 milhões de hectares em mata nativa. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que aprovar o texto do novo Código Florestal tal como está significa deixar de recuperar o equivalente ao território do Rio Grande do Sul.

O substitutivo ao Projeto de Lei 1.876, de 1999, aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, dispensa de recomposição florestal as propriedades de até quatro módulos fiscais. O relator do projeto, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), enfrentou o Palácio do Planalto para manter a versão da bancada de representantes do agronegócio. Como o tamanho do módulo fiscal varia de acordo com o estado, essa medida beneficiaria, ao mesmo tempo, donos de áreas de vinte hectares ou de 400 hectares. 

A Amazônia concentra a maior parte da área que deixará de ser recuperada, com 18 milhões de hectares, ou 60% do total. Mas os biomas mais prejudicados em termos relativos seriam a Caatinga e à Mata Atlântica, que em mais de 50% deixariam de ser recompostas

O Ipea critica a visão de Rebelo, que considera que essa medida beneficia os pequenos produtores, e lembra que agricultura familiar é apenas aquela que produz subsistência, emprega a própria força de trabalho e cria progresso social e econômico. 

Com isso, tampouco se sustenta o argumento de que respeitar a Reserva Legal – de 80% da propriedade na Amazônia e de 20% nos demais biomas – inviabiliza a sobrevivência econômica. “A Reserva Legal não impede o manejo sustentável. As atividades e serviços ambientais fornecidos por ela têm uso intensivo de mão de obra e fornecem rentabilidade interessante para o agricultor familiar. Deve haver financiamento publico, de forma que essas áreas sejam recuperadas com certo tipo de exploração econômica”, afirmou Fábio Alves, um dos autores do comunicado. 

A Amazônia concentra a maior parte da área que deixará de ser recuperada, com 18 milhões de hectares, ou 60% do total. Mas os biomas mais prejudicados em termos relativos seriam a Caatinga e à Mata Atlântica, que em mais de 50% deixariam de ser recompostas. “É um percentual muito grande se considerarmos que a Mata Atlântica, por exemplo, é um hotspot da biodiversidade brasileira”, argumentou Ana Paula Moreira da Silva, coautora da pesquisa.

A situação pode ser pior: o efeito moral da isenção, ao incentivar o desmatamento de novas áreas, resultaria em uma perda imediata de até 47 milhões de hectares, o que equivale aos territórios gaúcho e paranaense somados. Isso sem avaliar uma outra possibilidade aventada por parlamentares ligados ao setor rural, a de que alguns proprietários fracionem artificialmente suas terras para poderem se beneficiar da dispensa de recomposição.

Ouvidos seletivos

Dilma Rousseff trabalha no Senado para conseguir avanços que não obteve na Câmara, onde sofreu dupla derrota. Conseguiu emplacar Jorge Viana (PT-AC) como relator na Comissão de Meio Ambiente, mas é Luiz Henrique (PMDB-SC) quem vai relatar a matéria na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, podendo reverter eventuais conquistas.

A bancada ruralista não se mostrou, até aqui, disposta a dar ouvidos a argumentos contrários. Ancorados no discurso de que as atuais regras são um entrave à produtividade e à produção de alimentos, os representantes do agronegócio deixaram de lado, por exemplo, o apelo para que o assunto fosse debatido por mais dois anos. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), autoras de estudo que pedia uma discussão mais profunda, foram colocadas por Rebelo no rol de entidades “suspeitas” de receber recursos de nações interessadas no desmatamento da Amazônia.

Estudos anteriores também foram ignorados. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a atual área desmatada tem até 61 milhões de hectares que não estão sendo utilizados – e, portanto, a produção poderia ser aumentada sem qualquer mudança na legislação.

Mata em pé

A análise do Ipea pode ser mais um capítulo deixado de lado pela disputa política. Se for tomado em conta, no entanto, ensinará que a mata em pé pode ser mais rentável para o produtor que a floresta derrubada. Os pesquisadores consideram que a viabilidade da manutenção da vegetação depende, ao mesmo tempo, de políticas públicas que incentivem o proprietário e da venda de créditos de carbono no mercado internacional. 

O instituto pondera que o Brasil vai deixar de dar um grande passo em seus compromissos internacionais ao aprovar as mudanças no Código Florestal. Em 2009, o então presidente Lula assumiu frente a chefes de Estado de todo o mundo a meta de cortar em 80% o desmatamento na Amazônia e em 40% a do Cerrado até 2020, o que significa deixar de emitir 664 milhões de  toneladas de gás carbônico (CO2). 

A COP-15, conferência da ONU para mudanças climáticas, marcou também a assinatura de uma série de intenções de redução das emissões de CO2 no geral. Apenas a recomposição das áreas que se encontram em desacordo com as regras atuais significaria poupar a emissão de 18,6 gigatoneladas de CO2, ou 18 anos do acordo assumido em Copenhague.

“Mecanismos para rentabilizar as emissões compensadas existem, mas eles ainda estão com o preço abaixo do que se espera. Esse cenário deverá melhorar no futuro, será possível remunerar a manutenção das florestas com o mecanismo de REED (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal)”, explicou Gustavo Luedemann, do Ipea.