Ruralistas vencem governo na votação do Código Florestal

As galerias do plenário ficaram repletas de manifestantes levados pelas organizações do agronegócio (Foto: Leonardo Prado. Agência Câmara) São Paulo – No papel, Dilma Rousseff chegou ao Palácio do Planalto […]

As galerias do plenário ficaram repletas de manifestantes levados pelas organizações do agronegócio (Foto: Leonardo Prado. Agência Câmara)

São Paulo – No papel, Dilma Rousseff chegou ao Palácio do Planalto com a maior base parlamentar da história republicana brasileira. Na prática, o fim do quinto mês de mandato indicou uma realidade diferente para a presidenta.

O governo sofreu uma dupla derrota nesta terça-feira (24) no plenário da Câmara dos Deputados durante a votação do Código Florestal. Em plenário, a clássica divisão entre base aliada e oposição ficou de lado. Surgiu, no lugar, um grande bloco formado por boa parte dos partidos governistas e da maioria dos opositores, que aprovaram o Projeto de Lei (PL) 1.876, de 1999, que altera o Código Florestal e que agora segue ao Senado. Foram 410 votos a favor do texto, 63 contra e uma abstenção. Em seguida, foi votada e, novamente, aprovada, a Emenda 164, que dá aos estados o poder de legislar sobre Áreas de Preservação Permanente (APPs). Em meio a urros eufóricos dos representantes do agronegócio, foram 273 votos a favor contra 182 contra.

O líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), chegou a fazer um chamado à unidade da base aliada. Em plenário, expôs a mensagem de Dilma Rousseff, que considera que a emenda apresentada pelo PMDB é vergonhosa, e lembrou que o regime presidencialista dá ao chefe do Planalto a última palavra. “A casa fica sob ameaça quando o governo é derrotado. Fomos eleitos com a presidenta Dilma, na mesma chapa. Então, a vitória do governo é a nossa vitória.”

Foi imediatamente desafiado pelo relator do PL 1.876, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que integra a base aliada e passou a noite sendo ovacionado pelos representantes do agronegócio. “Vossa Excelência tem a obrigação de interpelar o líder do governo se a presidente disse de fato que esta votação é uma vergonha”, gritou em direção ao presidente da Câmara, Marco Maia.

Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB, foi outro que se somou ao discurso da oposição na defesa do Código Florestal e ignorou a orientação vinda do Planalto, ainda que tenha dito que não faz sentido o discurso de que seu partido estava derrotando o governo. Pontuou ainda que não mudaria a posição de sua bancada de maneira alguma, mesmo com os pedidos dos ministros pemedebistas. “Antes de os senhores serem ministros, são companheiros do meu partido. Não constranjam a minha bancada, até porque não adiantará absolutamente nada”, afirmou, no discurso mais inflamado da noite, em que gritava “Sim, sim” ao relatório de Rebelo.

Ratinho Júnior (PSC-PR) também manifestou que o debate da noite não se dava entre oposição e base aliada, ainda que pertença à coalizão governista. “Temos o direito de ser respeitados pelo governo porque temos nosso pensamento e, acima de tudo, sabemos a nação que nós queremos.”

A presidenta Dilma Rousseff aposta agora no Senado para conseguir eventuais mudanças. Não será fácil: o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator do Código Florestal na Comissão de Constituição e Justiça, é favorável às causas dos representantes do agronegócio. Caso seja novamente vencida, Dilma não descarta usar o direito de vetar partes do texto, que neste caso voltaria ao Congresso, correndo o risco de testar mais uma vez a força dos ruralistas. Não permitir a anistia a desmatadores é, inclusive, um dos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral do ano passado.

Queda de braço

A dificuldade em avançar nas negociações nas últimas semanas levou o Palácio do Planalto a apoiar a votação. Meses de discussão entre ambientalistas e ruralistas culminaram, em plenário, numa sessão cheia de tensões e na qual parte da bancada do PT, formada por defensores da agricultura familiar e da causa ambiental, viu-se contrariada.

O líder da bancada, Paulo Teixeira (SP), fez em plenário um discurso que demonstrava críticas ao relatório de Rebelo, ao mesmo tempo em que pontuava a necessidade de votar o tema. “Além de anistiar desmatadores, além de sinalizar futuros desmatamentos, estamos sinalizando ao agricultor que respeitou a lei que ele errou.” Ele afirmou que tinha esperança de apresentação de emendas supressivas para o que ele considera retrocessos no texto, mas acabou derrotado em todas elas.

Os representantes do agronegócio, que dominam ao menos um terço das vagas no Congresso, tampouco tiveram dificuldade para derrubar os requerimentos que visavam a retirar da pauta do dia o texto de Aldo Rebelo (PCdoB-SP). 

Foram sendo derrubados, ponto a ponto, os destaques apresentados à Emenda 164, que visa a dar aos estados o poder de regularização de áreas desmatadas. “O problema da emenda não é só conceder aos estados poder para legislar sobre meio ambiente, ela também abre brecha para consolidar todas as áreas desmatadas irregularmente, o que significa anistia para os desmatadores”, ponderava o líder do governo.

Entenda a pressa dos ruralistas
Vence em junho deste ano o prazo dado por decreto do ex-presidente Lula para a recomposição de propriedades desmatadas. A partir do próximo mês, os autos de infração passarão a ser executados. Caso não seja possível aprovar rapidamente as mudanças no Código Florestal, os proprietários terão de negociar um novo perdão do governo

Vaccarezza, que sai claramente enfraquecido desta votação, foi além ao manifestar a posição do governo. “Não vamos permitir anistia a desmatadores. E queremos garantir que os reincidentes deverão ter pena maior do que a primeira agressão”, disse. “Queremos resolver problema dos pequenos agriculturas, que são milhões neste país, em APPs de rio, sem abrir mão das matas ciliares. Esses temas vão ser rediscutidos no Senado”, insistiu.

Causa própria

Em visita à Câmara, a presidente Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), deu o tom dos discursos que vêm sendo mantidos nos últimos anos. “O que está em jogo é a produção de alimentos neste País, atividade que praticamente segura a economia nacional”, defendeu a senadora Kátia Abreu, cuja entidade enviou manifestantes às tribunas da Casa. 

Aldo Rebelo, integrante do Partido Comunista, foi o deputado mais aplaudido pela bancada ruralista (Foto: Leonardo Prado. Agência Câmara)Ela é uma das beneficiadas diretas pela aprovação do texto de Rebelo. Segundo levantamento feito pelo jornal Correio Braziliense, ao menos 15 deputados e três senadores serão absolvidos do pagamento de autos de infração graças ao texto em tramitação no Congresso. O artigo 180 do regimento interno da Câmara dispõe que parlamentares se declarem impedidos em casos claros de conflito de interesses. Não foi o que se viu. “Não adianta estrebuchar, não adianta continuar com essa conversa mole de que estamos incentivando o desmatamento porque isso é mentira”, bradava Moreira Mendes (PPS-RO), outro beneficiado direto. 

Legislação estadual

Aprovada a Emenda 164, os estados ficam responsáveis por definir o destino de APPs que tenham sido desmatadas. A medida é temida por defensores da preservação ambiental, já que os órgãos estaduais têm menos estrutura e menos força que as entidades federais responsáveis pela fiscalização e pelo controle

Chico Alencar (PSOL-RJ) rebateu as críticas de ruralistas – encampadas por Rebelo – de que os contrários à alteração do Código Florestal são representantes de interesses de organizações não governamentais estrangeiras. “A Monsanto e outras grandes empresas podem ter financiado alguns aqui. Vamos ver quem é quem. Diz-me quem te financias e te direi que interesses você vai defender em seu mandato.” O PSOL vai apresentar Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada das mudanças do Código Florestal.

Ambientalistas

Também saem contrariados da votação setores acadêmicos que analisaram o tema. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC) realizaram estudo mostrando que as alterações propostas por Rebelo não têm qualquer base científica. Para as duas entidades, seria necessário debater o tema a fundo por pelo menos mais dois anos antes de uma eventual votação.

Alfredo Sirkis (PV-RJ) classificou o relatório como “criminoso” e lembrou que há inúmeras alternativas para produzir sem precisar desmatar. “Esse relatório é de uma desonestidade intelectual abissal. Não precisaria ser assim. Teria sido possível, mediante uma discussão séria, se chegar a um consenso nessa Casa.”

Oposição

A votação do Código Florestal teve efeitos também sobre a bancada da oposição. Não houve unanimidade dentro do PSDB a favor do projeto. Mais profundo foi o efeito sobre o bloco PV-PPS, que reunia 26 deputados e agora chegou ao fim. Os verdes queriam a rejeição das mudanças propostas por Rebelo, mas o PPS se posicionou a favor do relatório. 

“Nem todos aqui são reféns dos ruralistas. A grande maioria não foi eleita pelos ruralistas, não tem compromisso com o desmatamento, não tem o compromisso de defender os interesses pessoais em detrimento da sociedade”, lamentou o líder do PV, Sarney Filho (PV-MA).

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