Deputados acusam colegas de legislar em causa própria no Código Florestal

Regimento interno da Câmara prevê que parlamentares diretamente interessados em determinado tema devem se declarar impedidos de votar

O ruralista Ronaldo Caiado, em dia de votação de matéria de seu interesse (Foto: Renato Araújo/ABr)

São Paulo – Deputados federais de PT, PV e PSOL acusaram os colegas de Câmara de legislarem em causa própria para aprovar mudanças no Código Florestal brasileiro. Durante um longo dia de debates nesta quarta-feira (11), parlamentares manifestaram em tribuna certa estranheza com a rapidez com que algumas bancadas desejavam aprovar o relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP)

Pedro Uczai (PT-SC) foi um dos primeiros a ironizar a ligação entre os deputados que defendem a agroindústria e seus próprios negócios. Ele lamentou que se utilize o argumento da produção de alimentos para justificar o enfraquecimento da legislação ambiental. “Esse discurso oculta os verdadeiros interesses e valores em torno do relatório.”

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) estima que 158 deputados tenham ligação direta com o agronegócio. A bancada ruralista é uma das mais bem articuladas do Congresso Nacional, tendo retomado nos últimos dois anos a ofensiva para revogar o Código Florestal.

Nesta quarta, os ruralistas voltaram a apresentar em plenário a produtividade e a importância do setor na balança comercial como argumentos para mudar as leis atuais, que segundo eles impossibilitam a produção de alimentos para toda a população brasileira. “Ninguém está anistiando quem quer que seja. Ninguém está revogando a legislação anterior. O que estamos fazendo é alterar normas que hoje criminalizam 100% dos agricultores desses país”, queixou-se Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Valmir Assunção (PT-BA) lembrou que um dos pontos sobre os quais os ruralistas não querem abrir mão é a recomposição da reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais. Como o tamanho do módulo fiscal varia de estado para estado, a mesma medida beneficiaria donos de vinte e de 400 hectares. “Aqueles que dizem defender a agricultura familiar estão defendendo, na verdade, é o agronegócio”. No fim, ele e outros parlamentares petistas acabaram derrotados. O governo aceitou a dispensa de recomposição de todas as propriedades com quatro módulos fiscais, independentemente da região.

Dívidas e áreas de preservação

Levantamento do jornal Correio Braziliense mostra que ao menos 15 deputados e três senadores serão beneficiados diretamente pela aprovação do Código Florestal. Eles figuram entre os produtores rurais autuados pelo Ibama em razão de algum crime ambiental e acabam perdoados pela proposta de Rebelo.

Aprovado o relatório, fica perdoado quem desmatou até julho de 2008. O governo Lula adiou por duas vezes o início da cobrança das multas de quem foi autuado por desmatar além do permitido. O prazo atual vence em junho deste ano, uma das explicações para a pressão da bancada de representantes do agronegócio. “Por que não setembro de 1999, quando foi editada a primeira regulamentação da Lei dos Crimes Ambientais?”, cobrou o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).

“Os 15 deputados não poderiam votar porque podem estar legislando em causa própria. Quero preservar o meio ambiente e o conceito da agricultura familiar”, afirmou o deputado Marcon em entrevista à TV Câmara. Ao fazer uso da tribuna, ele foi um dos que adotaram tom mais enfático em relação ao discurso distorcido dos ruralistas. “Por que não defende a agricultura familiar quando é para discutir orçamento, quando é para discutir o endividamento do agricultor familiar?”

Após mais de dez horas de discussão, uma saída repentina de uma das muitas reuniões realizadas durante o dia chamou atenção nos corredores da Câmara. O coordenador da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PPS-RO), ficou muito irritado com a proposta do governo de encaminhar a questão das Áreas de Preservação Permanente (APPs) por meio de decreto presidencial.

O Palácio do Planalto pretende assegurar a regulamentação das atuais APPs por meio dos critérios de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. Esses serão os fatores para definir quais as áreas à margem de rios que ficarão dispensadas de realizar a recomposição caso tenham desmatado acima do limite. “O Executivo está preocupado em dar lição para o mundo, mas está dando as costas para os produtores rurais”, reclamou Moreira Mendes, um dos 15 que serão perdoados em suas autuações.

O regimento interno da Câmara expressa no artigo 180 que “tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual”, o deputado deve se considerar impedido de votar, comunicando a Mesa Diretora da Câmara, mas essa espécie de cláusula de consciência não registra adeptos no Congresso.

“A reação do líder dos ruralistas, que foi autuado por irregularidades, e portando não poderia votar, para nós é alvissareira”, ironizou Alfredo Sirkis (PV-RJ).  “Desde o começo somos favoráveis a que os agricultores familiares sejam dispensados de recompor APP. O que a gente não concorda é que um megalatifúndio possa se valer da questão dos quatro módulos fiscais para não recompor.”

A indignação de Moreira Mendes migrou para o plenário. Um após o outro, os representantes do agronegócio bradaram contra a postura da presidenta Dilma Rousseff, e por fim anunciaram: ainda têm o Senado para promoverem as alterações que julgarem necessárias. Lá, a proporção de ruralistas é parecida com a que se vê na Câmara: são 18 senadores que atuam em nome da agroindústria, quase um quarto das cadeiras.

Leia também

Últimas notícias