Novo adiamento do Plano Nacional de Banda Larga expõe racha entre ministérios

Governo caminha para reativação da Telebrás, combatida pelo Ministério das Comunicações. Mas ainda não está definido papel da estatal na gestão da internet de alta velocidade

O presidente Lula reforçou no início do mês que o Estado vai conduzir a expansão da banda larga, mas não entrou em detalhes

A decisão do governo federal de adiar mais uma vez a definição do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) expõe a dificuldade de conciliar as diferentes visões a respeito do tema dentro do próprio Executivo. Depois de uma reunião esta semana, com duração de duas horas, o presidente Lula determinou que um novo encontro ocorra em março na tentativa de, por fim, bater o martelo a respeito do projeto que deveria ter ficado pronto em 2009.

O plano, que seria o último grande programa do governo Lula, tem dificuldade de caminhar por haver diferentes visões entre os nove ministérios participantes. O Ministério do Planejamento gostaria de ver gestão estatal no PNBL, com a Telebrás comandando o setor. Nesse sentido, um indício importante apareceu divulgado em Fato Relevante encaminhado pelo Planalto dando conta da possibilidade de reativação da empresa. Desde a privatização das telecomunicações, em 1998, a empresa permanece praticamente sem função relevantes, segundo analistas.

Sady Jacques, embaixador da Associação de SoftwareLivre.org, entende que esse é o melhor caminho para garantir um preço justo ao consumidor. “A verdade é que o mercado é absolutamente monopolizado. As teles poderiam ter feito muita coisa em relação a isso, mas andam muito devagar. O bem ‘banda larga’ é restrito à classe média. Então, uma iniciativa do governo vem ao encontro do interesse da maior parte da população”, destaca.

Na ponta oposta ao Planejamento está o Ministério das Comunicações, que não quer que a gestão fique a cargo do Estado, apoiando a colocação das empresas privadas como condutoras da universalização do acesso. O papel estatal, na opinião do ministro Hélio Costa, seria de dar incentivos fiscais e fornecimento das redes de fibra ótica que permanecem sob seu controle.

Depois da reunião de quarta (10), Costa manifestou que há estudos em andamento sobre os impactos da desoneração tributária em equipamentos de informática, e negou divergências entre os ministérios. “Vamos nos reunir novamente para que possamos ter tempo, cada um dos ministros e cada um dos setores, de avaliar e estudar com os técnicos a participação de cada um. Só depois dessa reunião é que poderá haver uma decisão”, afirmou.

A terceira vertente, da Casa Civil, é a do modelo misto. A Telebrás seria uma gerente de centenas de provedores encarregados de levar conexão ao usuário final, ou seja, estimularia a concorrência, mas não participaria diretamente do fornecimento.

Por isso, o governo estuda uma melhor aplicação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), composto de 1% das receitas das concessionárias. Os recursos, ambicionados pelas teles desde sua criação, mas retidos pelos sucessivos governos, poderia ser usado para baratear tarifas de áreas onde a demanda é menor. Sem estímulos convencionais de mercado, a tarifa atualmente é mais alta nessas áreas.

Uma outra alternativa, caso se opte pela Telebrás como fornecedora ao consumidor final, seria que a própria estatal adotasse uma taxa mais alta nas regiões mais bem abastecidas, utilizando o excedente nas áreas com menos densidade demográfica. Sady Jacques entende que a estatal teria o papel de conter abusos das empresas privadas mesmo depois que a demanda estiver mais bem distribuída.

Sady Jacques entende que a expansão da banda larga é um passo fundamental para que o Brasil possa definitivamente desenvolver-se como país(Foto: Wilson Dias. ABr)

Outra discussão nesse sentido é definir quais serão as regiões priorizadas pelo atendimento. Atualmente, apenas 19% dos brasileiros estão conectados à internet por banda larga, e a ideia é chegar a 68% dos domicílios até 2014. Haverá, depois da definição do papel da Telebras e do total a ser investido, uma discussão sobre por onde começar a expansão.

O embaixador da Associação de SoftwareLivre.org compreende que essa é uma questão muito delicada. Embora o ideal seja priorizar regiões mais carentes, não se pode deixar de atentar para os espaços de formação, como escolas e bibliotecas. Sady Jacques aponta que o ganho imediato de ampliar o acesso à internet é possibilitar que mais gente tenha acesso a uma comunicação que não é de mão única, como a TV, o rádio ou o jornal. Na rede, o usuário interage, escolhe o conteúdo ao qual quer ter acesso e abre inúmeras possibilidades de leitura e conhecimento.

O segundo passo, na opinião de Jacques, é exatamente que o governo federal e as instituições ligadas à formação pensem no oferecimento de políticas que estimulem o uso produtivo da internet. “É a troca maior de conhecimento, o crescimento da base de conhecimento social. Ninguém duvida que isso tenha repercussões sobre o desenvolvimento social e econômico de uma nação”, afirma.

Um dos exemplos práticos das mudanças geradas pela internet é Sud Menucci, cidade do interior paulista que adotou o acesso universal. A situação do pequeno município, relatada na Revista do Brasil número 43, mudou completamente com a chegada de novas tecnologias. Mais pessoas passaram a se comunicar com outras regiões do Brasil e do mundo, novas atividades comerciais surgiram e outras se aperfeiçoaram.