comunicação em rede

‘A internet se tornará uma pele que cobrirá o mundo’, diz cientista da IBM

Em palestra na manhã desta quinta (21) em Porto Alegre, Fábio Gandour mostrou por que aposta na tecnologia para a construção de cenários positivos do futuro

Wikimedia Commons

O evento evidenciou que a tecnologia entrega o que promete, mas com uma estética muitas vezes diferente

Porto Alegre – O que o futuro nos reserva? Essa foi a pergunta que orientou a palestra de Fábio Gandour, cientista-chefe da IBM no Brasil, na manhã de hoje (21), em Porto Alegre, na Semana ARP da Comunicação, promovida pela Associação Riograndense de Propaganda. Formado em Medicina com doutorado em Ciência da Computação, Fábio Gandour coordena a área de pesquisa da IBM no Brasil. Falando para um público majoritariamente de publicitários, entre profissionais e estudantes, Gandour fez uma profissão de fé na ciência e na importância de trabalhar com métricas e medições para poder construir cenários futuros diferentes daqueles oferecidos pelas diversas formas de futurologia e de artes adivinhatórias. A resposta que deu à pergunta central de sua palestra pode ser resumida assim: podemos ter cenários sobre o que o futuro nos reserva fazendo medições e estudando seus resultados.

“Os cientistas medem tudo; toda ciência envolve procedimentos de medição. Ao trabalharmos, no presente, com os resultados de medições, nós conseguimos apontar cenários para o futuro. Precisamos, portanto, ajustar nossas métricas para a prospecção do futuro. Não dá para adivinhar, tem que pensar e, para isso, é preciso estudar”, defendeu Gandour.

Esse trabalho de medição para prospecção do futuro tem hoje, acrescentou, um poderoso aliado: a tecnologia. Isso não chega a ser uma novidade, pois a tecnologia constrói instrumentos e técnicas de medição há séculos ou mesmo milênios. Com os desenvolvimentos dos últimos anos, especialmente no campo da comunicação, ela oferece hoje possibilidades inéditas para esse trabalho de prospecção do futuro. Mas a tecnologia, de fato, entrega o que promete? – perguntou o cientista-chefe da IBM.

A imaginação como berçário do conceito

A sua resposta a essa questão foi otimista. Sim, ela entregue o que promete. Gandour talvez rejeite a qualificação de sua resposta como “otimista” neste caso, pois pretende baseá-la em fatos e medições. Mas apareceram elementos de filosofia em sua resposta, apontando a imaginação como uma espécie de berçário de conceitos futuros. Ele mostrou uma imagem publicitária da década de 40 que mostra uma dona de casa comprando roupas por meio de um aparelho semelhante a uma televisão por meio do qual ela se comunicava diretamente com a compradora na loja. “Nós fazemos compras á distância hoje cotidianamente por meio da internet. Esse exemplo mostra que o que vai acontecer no futuro pode ter sido sonhado no passado. Mostra também que, na maior parte das vezes, a tecnologia entrega o que promete, mas com uma estética muitas vezes diferente”.

O desenvolvimento da internet e das tecnologias associadas a ela pavimenta hoje o altar dessas promessas, que não são pequenas. “A internet hoje se comunica por meio de um protocolo chamado IPv4, responsável pela existência de aproximadamente 4 bilhões de endereços IP. O aumento dos engenhos móveis já tornou essa quantidade insuficiente, o que levou ao desenvolvimento do protocolo IPv6, que representará um aumento extraordinário do número de IPs”, assinalou Gandour.

Em breve, acrescentou, todos os objetos que possuem estados do tipo ligado-desligado, ou aberto-fechado, estarão conectados a uma rede, materializando a ideia de uma “internet das coisas”. Teremos tantos endereços IP à disposição que poderemos estar conectados à internet por meio de inúmeros objetos. “Esse é um mundo novo, quase que totalmente atravessado por sensores e processos de monitoração. A rede deixará de ter buracos e se tornará uma pele que cobrirá o mundo”.

A água e os átomos ameaçados no planeta

Um mundo novo, porém, que anuncia também realidades preocupantes como a escassez de água no planeta. Fábio Gandour falou desse cenário baseado em dados sobre um elemento fundamental da natureza: o átomo. “Como se sabe os átomos não desaparecem. Podemos carregar em nós um átomo que fez parte do fígado de Napoleão ou do cabelo de Cleópatra. O número de átomos no planeta é constante e pode inclusive ser medido. A explosão de uma bomba nuclear faz com que ele diminua um pouco e a queda de um meteoro no planeta provoca um pequeno aumento. Mas, em geral, esse número é constante. Mas a população do planeta aumentou, e segue aumentando, o que faz com que diminua o número de átomos por habitante. Existem cálculos mostrando isso e são eles que sustentam, do ponto de vista científico, todo o movimento ambiental que está lutando pela preservação dos átomos do planeta”.

“E vocês sabem quais são os átomos que vão faltar primeiro?” – perguntou. “Hidrogênio e oxigênio conectados numa molécula chamada água. Se eu tivesse que sugerir algo a presidenta Dilma, essa sugestão seria proteger os nossos recursos hídricos. E a água vai faltar primeiro na Ásia. Isso não é uma especulação, mas o resultado de uma medição, é aritmética”, respondeu o pesquisador.

O século da complexidade

Ao falar sobre o futuro próximo, Gandour tomou emprestada uma formulação de Stephen Hawking: o século 21 será o século da complexidade. E os cenários apontados anteriormente já desenham alguns dos principais contornos dessa complexidade: grande desenvolvimento tecnológico, expansão da internet de modo exponencial, escassez de recursos fundamentais como a água. Neste contexto, o cientista fez algumas sugestões específicas para a área da publicidade, em especial o estudo e a atenção especial sobre a área da linguagem e da metalinguagem (a linguagem que descreve outras linguagens). E deixou uma sugestão de caráter mais geral: “é preciso praticar o pensar, com estudo; usem a ciência, usem a métrica científica para orientar o trabalho de vocês. Estamos entrando em um mundo muito mais dinâmico, variável e complexo. Não sei se isso é bom ou mau, mas é assim”.

Questionado sobre a possibilidade de a ciência medir coisas como emoções e sentimentos humanos, Fábio Gandour respondeu afirmativamente por meio de uma histórica ocorrida na última Copa das Confederações, aqui no Brasil. “Na Copa das Confederações, nós usamos uma métrica para avaliar sentimentos, que foi o Twitter. Monitoramos 6.386 tuitadas por minuto antes, durante e depois da final entre Brasil e Espanha, e descobrimos coisas muito interessantes. Em geral acreditamos que o momento mais emocionante de um jogo de futebol é o gol. Mas na final, o momento que teve maior número de tuitadas foi o do gol salvo pela zagueiro brasileiro David Luiz. Esse foi o momento que mais mobilizou as pessoas e o Felipão foi o primeiro a ver isso. Não foi por acaso que, ao final do jogo, ele disse que o lance mais importante da partida tinha sido aquele. Então, com métricas adequadas, dá para conhecer muita coisa, inclusive sobre emoções e sentimentos. Não conseguimos isso com adivinhação. É preciso pensar e, para isso, é preciso estudar”.