Erundina diz que só a mobilização social pode forçar melhora do PNBL

Deputada não acredita em envolvimento do governo ou de parlamentares para aperfeiçoar a banda larga no Brasil

Deputada Erundina diz que maioria dos parlamentares não querem o aperfeiçoamento do PNBL (Foto: Beto Oliveira/ Agência Câmara)

São Paulo – A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) criticou o anúncio recentemente feito pelo governo do acordo com as empresas de telecomunicação para a instauração do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Para ela, a única solução para tentar reverter o cenário “decepcionante” é a “forte pressão da sociedade civil organizada e mobilizada”.

A deputada, que também é coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, foi uma das convidadas do ato “Banda Larga é um direito seu!”, realizado na segunda-feira (15) em São Paulo, que contou com a participação do também deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e de diversos movimentos sociais que lutam pela internet livre, além de blogueiros.

O evento teve ares de reivindicação por uma conexão rápida e de qualidade, sem limitações de uso, além de obrigatoriamente conter metas de universalização do serviço. Muito diferente, portanto, do plano apresentado pelo Ministério das Comunicações, que prevê internet a uma velocidade nominal de 1 megabit por segundo, ao custo de R$ 35 mensais.

Sem alimentar falsas esperanças, Erundina afirmou não acreditar em um envolvimento efetivo do poder público em torno da causa. “Não tenho ilusões quanto aos parlamentares e aos partidos, não somos maioria nessa causa para fazer o enfrentamento com o governo. O único caminho é uma forte ação política da sociedade e dos movimentos sociais junto a alguns parlamentares para tentar sensibilizar o governo para a necessidade de dialogar com a sociedade sobre o tema”, afirmou a deputada.

Rosane Bertotti, da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e da Secretaria de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), criticou a postura do governo por não ter ouvido as organizações sociais na construção do PNBL. Ela ressaltou pontos importantes que foram deixados de lado no acordo do governo com as teles.

“O Plano Nacional de Banda Larga deixa muito a desejar no que diz respeito à qualidade, ao baixo limite, a falta de controle público para garantir o acesso àquilo que é comprado. Há ainda a questão da internet no campo, que só será viabilizada daqui a cinco anos”, criticou. Segundo ela, a CUT enxerga a banda larga como central tanto no âmbito da comunicação como do desenvolvimento comercial, político e industrial do país.

João Brant, do coletivo Intervozes, afirmou que o termo de compromisso do governo com as teles está sustentado na lógica de serviços privados, bem diferente do que deveria ser. Ele pediu  o reconhecimento da internet como um serviço público – atualmente, as concessões do serviço de comunicação de internet em alta velocidade são promovidas em regime privado, sem metas de universalização. “É necessário investir na Telebrás, para tirar as empresas privadas da situação de conforto que elas estão”, cobrou.

No plano anunciado em 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, havia a expectativa de que a estatal ofereceria acesso à internet “na ponta”, aos consumidores finais, em cidades nas quais a iniciativa privada não conseguissem garantir a qualidade e as condições defendidas pelo governo. Atualmente, na definição do Ministério das Comunicações, a Telebrás fará apenas a coordenação do uso de redes de fibra ótica, gerenciando sua oferta às teles.

O blogueiro e jornalista Altamiro Borges pediu unidade dos movimentos sociais em torno da campanha “Banda Larga é um direito seu!”, e cobrou maior mobilização dos ativistas. “Deveríamos pensar em mais ações de rua, seja em Brasília, seja em São Paulo. Precisamos de ações criativas que exijam o aperfeiçoamento desse plano.”

Ao fim, Rosane Bertotti se comprometeu, na condição de coordenadora da CMS, a viabilizar ações prática para reverter a realidade do acordo entre governo e as teles. “A coordenação irá reafirmar o pedido de audiência com a presidenta Dilma Rousseff, além de articular um ato no Congresso, e diversos outros, na rua. Iremos também propor atividades nas escolas e universidades para massificar o debate, e continuar com atos digitais nas redes sociais e manifestos”, avisou.

Leia a seguir o manifesto aprovado pelo CMS:

No final de junho, o Governo Federal fechou um acordo com as empresas de telecomunicações para garantir banda larga de 1 Mbps a R$ 35 em todos os municípios do país até o fim de 2014. À primeira vista, a medida soou como um avanço. Especialmente na região Norte e em áreas mais distantes dos grandes centros urbanos, é a primeira vez em que o serviço será oferecido a um preço razoavelmente acessível.

Contudo, o acordo tem vários problemas e revela a ausência de uma política de longo prazo para o setor das comunicações. Revela também uma concepção política que renega o papel estratégico do Estado e o interesse nacional em prol dos monopólios privados. Não há como garantir o direito de todos os cidadãos a uma internet barata e de qualidade sem ações efetivas do Estado na regulação e na prestação do serviço. Afora essa dimensão política geral, o acordo evidencia outros problemas de várias ordens:

  1. O pacote definido no termo de compromisso é limitado e diferenciado, cheio de restrições escritas em letras miúdas, e está longe de garantir a universalização do serviço. Os termos de compromisso assinados foram moldados a partir da disposição das empresas – como consequência, são bons para as teles e completamente insuficientes para os usuários. O termo cria um pacote popular com franquia de download (isto é, limite de uso da internet), promove venda casada com a telefonia fixa e não garante o serviço para todos os cidadãos – ele pode ficar restrito às áreas mais rentáveis dos municípios. Além disso, o instrumento jurídico de termo de compromisso é bastante precário e expressa a dificuldade do governo em impor metas mantendo a prestação do serviço em regime privado. É inadmissível, por exemplo, que se possibilite que as sanções em caso de não cumprimento das metas sejam transformadas em investimentos nas redes privadas.
  2. A velocidade estabelecida está fora do que já hoje é considerado banda larga. Se considerado que o valor vai ser alcançado só em 2014, ainda pior. Apenas para se ter uma ideia, o Plano Nacional de Banda Larga dos EUA prevê universalização da internet com 75% da população tendo velocidade de 100 Mbps em 2020, e velocidade mínima de 4 Mbps. O plano brasileiro propõe a oferta em larga escala de serviços de 5 Mbps em 2015, mas não estabelece nenhuma obrigação nem dá qualquer garantia de que isso vá de fato ocorrer;
  3. Embora o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) englobe várias outras ações de políticas públicas, este acordo condiciona as políticas de longo prazo e todas as outras ações a serem tocadas no âmbito do plano. Concretamente, ele deixa pouco espaço para se avançar além do que foi acertado com as operadoras agora, sem estabelecer como meta a universalização do serviço, sem garantir controle de tarifas e deixando na mão das empresas as redes construídas a partir de recursos provenientes do serviço público de telefonia fixa;
  4. A questão das redes é justamente um dos problemas sérios da ausência de políticas de longo prazo. Na prática, os recursos para o cumprimento das metas do PNBL virão da cobrança da assinatura básica da telefonia fixa. Isso significa que um serviço prestado em regime público, cujos investimentos deveriam resultar em bens públicos (a serem devolvidos à União ao final do período de concessão), ajudará a financiar redes privadas, sobre as quais pesam poucas obrigações de serviço público;
  5. A Telebrás, que poderia ter um papel de forçar as empresas de telecomunicações a se mexer, investir em infraestrutura e baixar seus preços, está cada vez mais se transformando em estrutura de apoio para as próprias teles. O problema maior, neste momento, não é nem a empresa deixar de prestar serviço ao usuário final, mas sim o fato de ela ter perdido boa parte dos recursos e deixado de ter o papel de tirar as empresas privadas de sua ‘zona de conforto’, com uma política agressiva de provocar competição por meio de acordos com pequenos provedores locais;
  6. O serviço de banda larga tem hoje problemas graves para o consumidor, e essa expansão está sendo pensada sem resolver esses problemas nem garantir parâmetros mínimos de qualidade. Estão previstas resoluções da Anatel sobre isso até 31 de outubro, mas é preciso pressionar para que elas de fato garantam o interesse público e sejam efetivas;
  7. A Anatel, que deveria ter o papel de defender o interesse do usuário, não tem atuado desta forma. A agência assume que não tem controlado a venda de bens reversíveis (bens que estão na mão das concessionárias mas são essenciais à prestação de serviços e não poderiam ser negociados sem autorização), estabeleceu um Plano Geral de Metas de Universalização para a telefonia fixa que não cria nenhuma nova obrigação para as empresas e não tem sido capaz de garantir a expansão do serviço para as áreas rurais;

Frente a esses fatos, movimentos sociais reunidos na CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) e as organizações participantes da campanha Banda Larga é um direito seu! manifestam sua preocupação com os rumos do PNBL e apresentam as seguintes reivindicações:

  • Que o Governo Federal construa uma política estratégica de médio e longo prazo para o setor das telecomunicações, a partir da definição da banda larga como serviço prestado em regime público, de forma a garantir a expansão constante das redes e a universalização progressiva do serviço, na linha das propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação. A definição de regime público não significa que deve ser apenas prestado pelo Estado, mas que podem ser exigidas das empresas privadas metas de universalização, controle de tarifas, garantias de qualidade e continuidade do serviço e gestão pública das redes;
  • Que o Governo Federal garanta recursos e volte a investir na Telebrás como instrumento de políticas públicas e regulação econômica do setor, como promotora de franca competição e atendimento às necessidades das diversas localidades em que a empresa tem condições de atuar;
  • Que o Governo Federal e a Anatel garantam a universalização dos serviços de internet na área rural com oferta adequada e barata em todo o país;
  • Que a Anatel aprove regulamentos de qualidade e metas de competição que imponham obrigações que garantam de fato o interesse público, em condições proporcionais às capacidades técnica e financeira de cada empresa;
  • Que o Governo Federal incorpore o tema da banda larga ao debate sobre um novo marco regulatório para o setor das comunicações, tratando-os de forma combinada, por meio da revisão da Lei Geral das Telecomunicações e da definição de uma política que garanta o caráter público das redes;
  • Que o Governo Federal retome o diálogo com as entidades do campo popular para pensar um projeto estratégico para as comunicações e discutir as políticas públicas para o setor.

Como um serviço essencial à realização de direitos, a internet deve ser tratada como um serviço público. A limitação em seu acesso enfraquece a democracia e pode ser um entrave ao desenvolvimento econômico. Assim, o compromisso da CMS e da campanha Banda Larga é um direito seu! é com a defesa da banda larga barata, de qualidade e para todos. A avaliação sobre o quadro atual das políticas para banda larga deve ser feita com base nesses parâmetros. Ainda que não se possa, nem se queira, ignorar os avanços em relação à ausência de políticas que imperava até 2009, não se podem excluir dessa avaliação as críticas devidas, nem se contentar com avanços absolutamente limitados, condicionados pelas teles e descolados de uma política estratégica de longo prazo.