Desprezo ao risco

Volta às aulas no Rio: continua a guerra entre Paes e os professores

Prefeito quer volta às aulas no Rio de Janeiro, no momento em que a cidade e o estado apresentam alta preocupante nos números da pandemia de covid. Professores ampliam resistência. “O prefeito está sendo negacionista”

Sinpro-RJ/Reprodução
Sinpro-RJ/Reprodução
Em vídeo, Sinpro-RJ alerta para os riscos da reabertura das escolas, no momento em que a pandemia se agrava a cada dia no Rio

Rio de Janeiro – Em um momento em que o número de óbitos por covid explode no Rio de Janeiro e os hospitais se encontram à beira do colapso, com taxa de ocupação de 92% nos leitos de UTI, recomeça a batalha em torno da reabertura das escolas na cidade. Às 23h de ontem (4), o Tribunal de Justiça do Rio suspendeu o plano da prefeitura da capital que previa para hoje o retorno das aulas presenciais nas escolas particulares e para amanhã, na rede pública municipal. A decisão, em caráter liminar, atendeu a uma ação popular movida por um grupo de vereadores da oposição ao prefeito Eduardo Paes (DEM).

De acordo com a tabela estabelecida pelas autoridades sanitárias, o Rio de Janeiro atualmente se encontra na fase chamada bandeira roxa de risco de contágio da covid, a penúltima, só atrás da fase bandeira preta. Esse já era o cenário antes do feriadão de dez dias decretado por Paes e que terminou ontem. Dois dias antes da “pausa emergencial” começar, o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ) e o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-RJ) deram entrada em uma ação pedindo o imediato fechamento das escolas. Como não houve resposta, as entidades buscaram ajuda na bancada oposicionista da Câmara dos Vereadores.

Na manhã de hoje, o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, afirmou que a prefeitura carioca só está esperando a chegada da notificação da Justiça para recorrer. Os sindicatos, por sua vez, estão preparados para mais uma batalha. “A gente não sabe ainda a quem eles vão recorrer. A liminar pode ser derrubada, mas, neste momento, o que está valendo é que nenhuma escola pode abrir. Hoje está uma confusão. Muitas escolas estão peitando e dizendo que vão abrir, umas estão dizendo que não receberam nenhuma comunicação da Justiça e outras dizem que pagarão a multa diária de R$ 50 mil estipulada em caso de descumprimento da determinação judicial”, diz o vice-presidente do Sinpro-RJ, Afonso Celso Teixeira.

Insanidade

Teixeira chama a atenção para o que qualifica como irresponsabilidade do poder público. “O próprio governo do estado havia dito que se estivéssemos na fase vermelha as escolas não abririam. Como é que agora, na fase roxa, querem abrir? Antes, a capacidade máxima para atividades presenciais era de 35% e agora eles aumentaram para 50%. A gente considera isso uma insanidade. Num momento em que a pandemia está se agravando, em que cada vez mais jovens estão pegando a doença. O índice de letalidade da doença atingiu um nível muito maior do que tinha no ano passado. A gente entende que não é o momento de reabrir as escolas”, diz.

De acordo com as informações recebidas pelo sindicato, os protocolos de segurança vinham sendo sistematicamente desrespeitados por grande parte das escolas. “Era muito grande o volume de denúncias que o Sinpro recebia antes do feriadão sobre escolas que não respeitavam os protocolos. Agora eles acham que vão cumprir, até aumentando o número de pessoas nas atividades presenciais? Havia escolas que inclusive não respeitavam a questão do revezamento e a determinação de deixar uma parte dos alunos no remoto e outra parte no presencial. Havia escolas funcionando normalmente como se nada estivesse acontecendo. É muito triste a gente ver um espaço de saber negando a ciência e todas as evidências científicas que a gente tem até o momento”, diz Teixeira.

Ação popular

Na ação popular encaminhada ao Tribunal de Justiça, 12 vereadores e deputados afirmam que “o município do Rio de Janeiro passa pelo pior momento da pandemia” e que “o retorno precipitado das aulas presenciais ensejaria uma elevação desarrazoada dos riscos de contágio, num palco em que a estrutura hospitalar beira o colapso, sem que tenha sido promovida qualquer medida eficaz para a redução de riscos no que tange a exposição no transporte público, em especial quando a vacinação ainda não atingiu índices de imunização seguros”. Nesse contexto, concluem os parlamentares, “a previsão de volta precipitada das aulas violaria o princípio da moralidade administrativa e careceria de motivação válida”.

Um dos signatários da ação, o deputado estadual Waldeck Carneiro (PT) define como “muito importante” a liminar concedida pela Justiça. “É preciso conciliar os protocolos de sanitização das escolas, a vacinação dos profissionais da Educação e, é claro, levar em conta a curva epidemiológica em cada município, segundo o código das bandeiras fixado pelas autoridades sanitárias. Municípios do Rio de Janeiro que têm o risco considerado alto ou muito alto para a covid – bandeira vermelha e bandeira roxa – não podem retomar as atividades presencias, ainda que seja muito importante restaurar as atividades educacionais regulares dos nossos alunos. Mas, não colocando sob risco a vida dos estudantes, dos profissionais da Educação e de seus familiares.”

Falta diálogo

Em nota, o Sepe-RJ deu um recado a Eduardo Paes: “Esperamos que antes de buscar derrubar essa liminar, a Secretaria Municipal de Educação e a própria Prefeitura reabram a discussão com o Sepe e com os vereadores, em busca de um consenso em que a vida de toda a comunidade escolar, antes de tudo, seja respeitada”.

A ação popular nasceu quando os sindicalistas buscaram o diálogo com diversos vereadores da base oposicionista para impedir a volta presencial das aulas neste início de semana. “Foi realizada uma reunião na quinta-feira (1) da direção e do Jurídico do Sepe com os parlamentares e suas respectivas assessorias jurídicas, na qual foi acertado que os vereadores recorreriam à Justiça para impedir o retorno das aulas”, esclarece o sindicato.

“Hora de lockdown

Coordenadora geral do Sepe-RJ, Izabel Costa comemorou a liminar. “Para nós, essa foi uma medida muito importante porque, ao contrário do que o secretário Renan Ferreirinha vem dizendo, nós estamos seguindo a ciência, que vem apresentando um quadro gravíssimo na cidade e em todo o Estado, com bandeira roxa e altíssimo nível de contaminação, filas de espera que se ampliam para os leitos de UTI e uma pandemia descontrolada. É isso que nós estamos vendo. Quase todos os infectologistas são taxativos em dizer que a hora é de lockdown e não de reabrir as escolas”, afirma.

Izabel reclama que a Justiça não vem atendendo as ações judicias do Sindicato, e diz esperar que agora seja diferente. “É muito importante a manutenção dessa liminar, até porque os principais argumentos da prefeitura não têm qualquer sentido na conjuntura vivida por nós. O primeiro argumento é de que as escolas são as primeiras a abrir e as últimas a fechar. No quadro atual, já teríamos que ter as atividades laborais e as escolas fechadas. Não é possível que a Prefeitura trabalhe isso como um dogma, como algo que não pode ser modificado, e leve tudo para um cenário muito perigoso, o da disputa política.”

Paes negacionista

A sindicalista também critica a Secretaria de Educação pela afirmação de que as escolas são um local de acolhimento para as crianças mais carentes. “Com o atual quadro da pandemia de covid, as escolas do Rio de Janeiro estão reabrindo com um número reduzido de crianças que só ficam na escola três horas diárias. Onde as crianças ficam no restante do dia? Como elas são atendidas, inclusive na sua segurança alimentar? Em muitas unidades escolares, é servido apenas um biscoitinho e uma caixinha de suco”, diz.

“A pefeitura deveria estar empenhada em ampliar o cartão alimentar dessas famílias e dar para cada uma delas o auxílio emergencial local para que fiquem dentro de casa. Muitas famílias são precarizadas e estão precisando sair para a rua para ganhar sua sobrevivência. Que esse auxílio seja dado para que as crianças possam fazer outras refeições e os outros membros da família possam ter acesso à comida porque têm fome. O prefeito, que diz que não é negacionista, está sendo negacionista”, conclui Izabel Costa.

Confira também reportagem da TVT