Sim ou não?

O que acontece em caso de impeachment de Bolsonaro?

"Motivações políticas para um impeachment, as forças do establishment podem achar rapidamente se precisar, como acharam para Dilma", diz analista do Diap

Fábio Rodrigues Pozzebon/ABR
Fábio Rodrigues Pozzebon/ABR
Para analista, Bolsonaro, como seu ministro do Meio Ambiente Rodrigo Salles, demonstra não ter noção das atribuições das instituições de Estado

São Paulo – Com menos de oito meses de governo, a possibilidade de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro é ventilada de maneira recorrente. Aparentemente, pelo comportamento do mandatário, esse debate continuará enquanto durar seu mandato. Como diversos juristas e analistas costumam pontuar, um processo de impeachment é formalmente jurídico, mas, na prática, é desencadeado por uma conjuntura política degradada, à qual se somam o descontentamento generalizado dos agentes econômicos, do mercado e da sociedade em geral.

“As condições têm que estar dadas para que isso aconteça. Para um processo ser colocado em marcha, o establishment precisar ter absoluta convicção de que ele é rejeitado por todos os segmentos organizados”, diz Antônio Augusto de Queiroz, analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Mas motivações para um impeachment as forças do establishment podem ‘achar’ rapidamente se lhes convier, como acharam para Dilma.”

No momento, há a expectativa de que Bolsonaro “entregue” o que prometeu: abertura econômica extrema, “reformas” da Previdência e tributária ao sabor do que demanda o mercado e venda de estatais como carros-chefe. Enquanto há a perspectiva do mercado e dos liberais do desenho do Estado que querem – que tentaram na Constituinte, em revisão constitucional, durante os governos Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e não conseguiram implementar plenamente –, as atitudes condenáveis e quase diárias do chefe do Executivo vão estar em segundo plano e não justificarão o impedimento.

“Se Bolsonaro demora muito ou fica evidente que não tem condições de entregar, como ficou claro com Collor, darão um jeito de tirá-lo, o que ainda não acontece”, diz Queiroz.

Se crimes de responsabilidade são condutas exercidas com “descritério e desatino”, embora sem explícita “ofensa à lei”, segundo Paulo Brossard, Bolsonaro já acumula uma série delas: sua referência aos nordestinos como “paraíbas”, a agressão ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, entre outras. Ou os graves prejuízos à nação, como contra o meio ambiente e à Amazônia, o que vem causando escândalo mundial, que poderia ser um novo argumento.

A aproximação do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do governador de São Paulo, João Doria, que tem tentado estrategicamente se afastar do presidente em cuja campanha pegou carona em 2018, poderia indicar um potencial sinal vermelho a Bolsonaro no longo prazo, caso sua  popularidade caia a níveis insustentáveis. Com apoio social e de lideranças políticas  de peso, Bolsonaro estaria à beira do precipício.

Bastaria que fosse dado andamento a qualquer pedido de abertura de um processo de impeachment em tramitação na Câmara dos Deputados.

O processo de impeachment

• A responsabilização do presidente, primeiramente, se dá por invocação ao artigo 85 da Constituição Federal. O dispositivo determina:

• São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

• O impeachment é regulado pela Lei 1.079/50. Cabe ao presidente da Câmara encaminhar o pedido para avaliação do Plenário da Casa. Os deputados, então, avaliam o pedido em uma comissão especial. Aprovado no colegiado, o pedido segue ao Plenário. Para que seja dado andamento ao processo, são necessários 2/3 dos votos dos 513 deputados, ou 342 votos. Do contrário, o processo é arquivado.

• A aprovação da abertura do processo pelos deputados torna a queda virtualmente inevitável, do ponto de vista político, como se comprovou nos casos de Fernando Collor, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016. A diferença entre ambos é que Collor renunciou antes de cair, e Dilma resistiu até o fim – 31 de agosto de 2016.

• Uma vez aprovado na Câmara, o processo segue ao Senado. Após passar por comissão especial, é votado no Plenário. O quórum exigido para a sessão ser aberta é de 41 dois 81 senadores (maioria absoluta), mas para a aprovação do relatório exige-se maioria simples (votos dos presentes). Caso seja rejeitado, o processo é arquivado. Se aprovado, o presidente é afastado por até 180 dias, prazo para o processo terminar.

Se o impeachment é confirmado, assume o vice, general Hamilton Mourão. Para Antônio Augusto de Queiroz, na hipótese de assumir, Mourão “daria mais habilidade e efetividade às propostas do governo, e as encaminharia de forma mais razoável. Portanto, Mourão tende a ser mais efetivo do que Bolsonaro, que demonstra não ter noção clara das atribuições das instituições de Estado”. Para o analista, o atual presidente “comete excessos que são contraproducentes e Mourão é mais calibrado, menos impulsivo, tem mais estratégia e apresentaria mais resultados (para o próprio governo)”.

No campo da esquerda, para alguns setores o impeachment de Bolsonaro não é recomendável ou viável no momento. Segundo outros analistas, como o escritor Flávio Aguiar, o impeachment seria mais do que justificável. “O Brasil de Bolsonaro não é apenas um vexame. É uma ameaça à humanidade”, escreveu.

A ex-prefeita Luiza Erundina, em entrevista a Juca Kfouri, na TVT, defendeu o impeachment com a convocação de novas eleições, algo que não está previsto na legislação e só se daria por meio de uma combinação de reviravoltas político/jurídicas. Por exemplo, a impugnação da chapa Bolsonaro/Mourão e a posterior renúncia de seus substitutos naturais legais, pela linha sucessória (presidente da Câmara, do Senado e do STF, nesta ordem).

A ex-presidente Dilma Rousseff, também no programa da TVT, afirmou só concordar com um impedimento de Bolsonaro, como Erundina, mediante realização de novas eleições – algo que considera inviável no atual cenário.


Como foi com Dilma Rousseff

• 2/12/2015 – Presidente da Câmara acolhe o pedido de impeachment elaborado por Janaína Pascoal e Miguel Reale Jr.
• 11/4/2016 – Comissão Especial aprova, por 38 a 27, relatório favorável à abertura do processo.
• 17/4/2016 – Domingo, plenário aprova por 367 a 137. Processo vai para o Senado.
• 6/5/2016 – Comissão do Senado aprova por 15 votos a 5 parecer que defende afastamento de Dilma.
• 12/5/2016 – Plenário do Senado aprova relatório pelo impeachment por 55 a 22 são contra. Dilma é afastada do cargo por até 180 dias. Temer assume como presidente interino. Relatório volta para comissão.
• 4/8/2016 – Por 14 x 5, comissão aprova relatório final a favor do impeachment.
• 10/8/2016 – Por 59 votos a 21, Senado decide que Dilma deve ir a julgamento; sessão foi comandada pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
• 25/8/2016 – Começa julgamento no Senado.
• 31/8/2016 – Senadores votam em definitivo pelo impedimento de Dilma.


Colaborou Paulo Donizetti de Souza

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