Terror de Estado

Ministério Público denuncia ex-delegado por incinerar corpos de presos políticos

De acordo com o MPF, pelo menos 12 cadáveres foram jogados em fornos de uma usina no Norte Fluminense, nos anos 1970. Pai do presidente da OAB seria um deles

Comissão Nacional da Verdade
Comissão Nacional da Verdade
Em forno como estes, na Usina Cambahyba, teriam sido jogados corpos de presos políticos nos anos 1970

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra por ocultação e destruição de 12 corpos, entre 1973 e 1975. Todos teriam sido incinerados em fornos da Usina Cambahyba, em Campos, no Norte Fluminense. A história macabra ganhou relato no livro Memórias de uma Guerra Suja, lançado em 2012, a partir de depoimento do policial capixaba – que completará 79 anos no dia 25 – aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.

O MPF entende que Guerra agiu por motivo torpe e com abuso de poder. “Assim, com o objetivo de assegurar a impunidade de crimes de tortura e de homicídio praticados por terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado de polícia que exercia no Estado do Espírito Santo, foi o autor intelectual e participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12 pessoas”, diz o procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia apresentada à Justiça.

Entre esses corpos estaria o de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, o que motivou ataques de Jair Bolsonaro no início da semana. Fernando desapareceu em fevereiro de 1974, após ser preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Outra vítima seria Ana Rosa Kucinski, irmão do jornalista, professor e escritor Bernardo Kucinski.

Segundo o Ministério Público, os crimes praticados pelo delegado não se enquadram na Lei da Anistia, de 1979, por não haver motivação política. “Não importa sob que fundamentos ou inclinações poderiam pretender como repressão de ordem partidária ou ideológica, sendo certo que a destruição de cadáveres não pode ser admitida como crime de natureza política ou conexo a este”, afirma. Na denúncia, o MPF pede também cancelamento de eventual aposentadoria ou ganho de que disponha o ex-delegado.

Para não chamar a atenção

“A confirmação nominal dos corpos levados por Cláudio Antônio Guerra para incineração ocorreu em diversos depoimentos prestados à Procuradoria da República no Espírito Santo. Além da confissão, testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos de Cláudio Guerra”, afirma ainda o MPF. “As doze pessoas citadas por Cláudio constam na lista de 136 pessoas dadas por desaparecidas da Lei 9.140 de 1995, que ‘reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas'”.

O ex-delegado contou que a ideia de usar o forno surgiu com a preocupação dos órgãos de informação de que os corpos de presos políticos pudessem ser descobertos, chamando a atenção da imprensa. “Ele narrou que uma das estratégias de sumir com os corpos consistia em arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse. Ainda segundo ele, os rios constituíam a preferência para afundamento dos corpos, dado que no mar ‘a onda traz de volta’.”

Os corpos eram retirados da chamada Casa da Morte, em Petrópolis, região serrana do Rio. Pelo relato, Guerra encostava o carro no portão e recebia de militares corpos em sacos plásticos, que eram levados para a usina. Em 19 de agosto de 2014, uma reconstituição no local comprovou que a abertura dos fornos eram suficientemente grandes para a entrada de corpos humanos.

Confira aqui a íntegra da denúncia.

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