Brasil aprisionado

Saída aos brasileiros é usar a razão, a consciência e a política, afirma Pilar após visitar Lula

Companheira de Saramago, Pilar del Río, ao lado de Dilma Rousseff, visitou o ex-presidente. “Um líder inteiro, lúcido, capaz de liderar no Brasil e o mundo

Joka Madruga
Joka Madruga
Pilar e Dilma, após visita a Lula: "Um homem com ideias claras, sóbrias, sabendo por que está ali, quem é, quem somos"

São Paulo –  “A Europa vê o Brasil com perplexidade.” Assim a jornalista e escritora, Pilar del Río definiu a maneira como Portugal e os demais países europeus encaram o que até alguns anos atrás era considerado o país das possibilidades.

Companheira do escritor português José Saramago e presidenta da fundação que leva o nome do prêmio Nobel de literatura, Pilar falou aos jornalistas no final da tarde da quinta-feira (11), em Curitiba, minutos depois de encerrar uma visita de cerca de duas horas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Acompanhada da ex-presidenta Dilma Rousseff, Pilar lembrou do Brasil da era Lula e afirmou se questionar como é possível o que está se dando com um país que já foi potência mundial. “Como é possível haver chegado ao nível de governo de outros países que nem queremos nomear?”

Pilar del Río relatou ter encontrado na cela da Superintendência da Polícia Federal, onde Lula é mantido como preso político desde 7 de abril do ano passado, o líder mundial que conheceu em reuniões internacionais. “Está em um quarto pequeno, preso, e exercendo sua capacidade de liderança”, disse. “Um homem com ideias claras, sóbrias, sabendo por que está ali, quem é, quem somos. Um líder mundial que segue, está aqui, inteiro, lúcido, com capacidade de liderar muitos, a maioria do Brasil e no mundo.”

A jornalista espanhola relata sua emoção por estar ao lado dos dois – Lula e Dilma – responsáveis por governos que fizeram mudanças substanciais no Brasil. “São os dois que estiveram em momento claro a enfrentar uma história triste para milhões de pessoas.”

Questionada sobre os rumos do Brasil, Pilar afirmou: a saída são os próprios brasileiros. Utilizando a razão , a consciência e a política, seguro que o futuro não será como o presente.”

Cela não é lugar para inocente

Para a ex-presidenta Dilma, foi uma visita muito comovente, porque sempre é muito difícil ver uma pessoa que é inocente, presa. “É sem dúvida nenhuma um momento de muita dor vê-lo assim. Uma cela – sei porque já estive três anos em uma – não é lugar para uma pessoa inocente, preso político.”

E recomendou que todos se perguntem por que o país chegou a isso, “de prender uma pessoa inocente desrespeitando todos os princípios civilizatórios que asseguram que perante a lei todos têm de ser iguais”.

As revelações feitas pelo The Intercept Brasil, avalia Dilma, tornam mais claro o que já se sabia e comprovam a falta de provas no caso do presidente Lula. “O claro interesse de retirá-lo do processo eleitoral e uma confissão que é a ida do juiz que o condena para o Ministério da Justiça do beneficiado (Jair Bolsonaro).”

Dilma acredita que a justiça será feita no caso de Lula. “O sistema de Justiça brasileiro não pode ser desmoralizado, corroído”, reforça. “A gente sabia que depois do impeachment (do qual a presidenta foi vítima em 2016) havia um grande risco de as outas instituições, além do Executivo, serem corroídas por essa absurda ruptura do tecido democrático brasileiro”, lembra. “Se você pode mover um processo sem crime de responsabilidade, tudo pode. Isso ocorreu com o Lula e em outras oportunidades que estamos vendo.”

Justiça parcial é injusta

A ex-presidenta considera os vazamentos divulgados pelo Intercept “concretíssimos”. E acredita que esse é um problema sério a ser tratado pelas instâncias do Judiciário. “Um processo bastante comprometedor da imparcialidade do juiz. No minuto seguinte que a Justiça é parcial, ela é injusta”, explica. “Um juiz que é capaz de funcionar como assessor da acusação, dirigente da acusação, não é isento nem imparcial. Isso coloca um problema para a Justiça brasileira aos olhos do mundo. Estado democrático de direito sem imparcialidade da Justiça, não existe.”

E considera que deve ser analisado qual o impacto disso em todo o inquérito. “Dallagnol diz que as provas são frágeis. Ora, ou existe prova ou não existe prova. Todo processo em relação ao presidente Lula está viciado. Não digo isso em relação aos outros. O que temos de dado claro, no caso do presidente Lula, é a tentativa deliberada e clara no sentido de evitar que o presidente tivesse possibilidade de influenciar na eleição na qual ela era o mais votado nas pesquisas.”

Dilma lembrou o raciocínio do historiador Fernando Horta, para demonstrar a gravidade da situação. “Se há vazamento, foi um hacker. Mas se há vazamento e foi um hacker não tem tanta importância. Mas se tiver importância, foi em nome do combate à corrupção. Isso é uma bomba atômica em cima do sistema de Justiça do Brasil”, avalia, criticando os que concordam com isso. “Isso fará o Estado democrático de direito virar um Estado de exceção. Se a gente achar que é isso que vamos querer em plano século 21… não acredito que o povo brasileiro queira.”

A reforma e a volta da pobreza

A ex-presidenta afirmou ter, em relação à reforma da Previdência um grande temor que é o empobrecimento dos idosos no Brasil. “Quando estávamos construindo a rede de proteção social e fizemos o Bolsa Família, percebemos que os aposentados e os que recebiam o benefício de prestação continuada (BPC) tinham essa proteção. Isso garantia que a gente tinha de completar a rede de proteção. E foi feito. O Bolsa Família era destinado a famílias jovens e com filhos que não tinham proteção.”

Dilma avalia que, caso seja aprovada a reforma proposta pelo governo de Jair Bolsonaro, aposentados chegarão ao fim da sua vida de trabalho sem recursos para sobreviver. “O sistema de capitalização pode ensejar gravidade muito grande, como ocorreu com o Chile.”

E questionou ainda: “por que dão aposentadorias melhores para um segmento da população e não para outros”.

A consciência também é convocada por Dilma. “Temos de ter uma visão muito crítica, ver como fica para saber qual a repercussão disso para o conjunto da população.”

Lembrou que nos governos petistas, não havia idoso na rua pedindo esmola. “Tinha criança e adolescente e tiramos com o Bolsa Família. Tiramos o Brasil do mapa da fome e agora estão as crianças de volta, pedindo nos sinais.”

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