Pacote antiveneno

Proibição do glifosato será debatida pelo parlamento português

Parlamentar ambientalista apresentou projetos de lei após pesquisa encontrar resíduos do agrotóxico em 100% de amostras de urina. No Brasil, Anvisa contraria OMS e diz que glifosato não é cancerígeno

Charles O’Rear/Wikimedia Commons

O glifosato é o agrotóxico mais usado em todo o mundo. A OMS o classifica como provável causador de câncer

São Paulo – O cerco ao glifosato se fecha na Europa. Nesta terça-feira (26), o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), de Portugal, apresentou projetos de lei que pretendem reduzir drasticamente a exposição da população ao agrotóxico e até mesmo proibir a venda. As proposições resultam de pressões da Plataforma Transgénicos Fora, que conduziu pesquisas preliminares que chegaram a detectar a presença do agrotóxicos em 100% das amostras de urina coletadas em 2018 em diversas regiões do país.

A coalizão Plataforma Transgénicos quer que o governo português promova um estudo abrangente sobre a exposição da população ao agrotóxico, que proíba a venda de herbicidas à base de glifosato para outros usos senão agrícolas, obrigue a análise da presença de glifosato na água de abastecimento e que acabe com o uso de herbicidas sintéticos na limpeza urbana, além de apoiar os agricultores na transição para uma agricultura sem agrotóxicos nos próximos anos.

Para efeitos de exposição, o estudo considerou também a presença do ácido aminometilfosfônico (AMPA– uma substância derivada do processo de degradação do glifosato no organismo.

De acordo com a Plataforma Transgénicos Fora, foram recolhidas amostras de urina a 62 voluntários, sendo 56 adultos e seis crianças, em julho de 2018. Havia glifosato em 65% das amostras. Em outubro foram coletadas amostras de 44 pessoas, todas elas contaminadas pelo agrotóxico segundo a análise em laboratório. Em 2016 foram coletadas amostras de 26 pessoas, todas elas contaminadas. Os dados são alarmantes. O percentual corresponde ao dobro da média de contaminação em 18 países europeus.

A maior parte do glifosato ingerido ou inalado pelo organismo é excretado pela urina em menos de um dia. Isso significa que a contaminação detectada na segunda etapa de análises provém de novas exposições com o herbicida. Quando se deteta contaminação ao longo do tempo isso significa que houve exposição sucessiva do organismo – ou seja, há glifosato a recontaminar constantemente a população portuguesa.

Agrotóxico mais usado em todo o mundo, inclusive no Brasil e em Portugal, o glifosato causa tumores em animais de laboratório e foi classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como provável carcinogênico para humanos. Para a Comissão Europeia, no entanto, a substância não é considerada causadora de câncer.

Conflito de interesses

Entidades científicas e ambientalistas, por sua vez, entendem que o posicionamento contrário é resultado de conflitos de interesse, que manipulam resultados de testes e reproduzem resultados de testes de modo a defender os objetivos da indústria de agroquímicos. Principalmente a Monsanto e sua proprietária Bayer.

De acordo com a Plataforma Transgénicos Fora, o valor médio da contaminação das amostras corresponde a 0,35 ng/ml em julho, com valor máximo de 1,39 ng/ml. E de 0,31 ng/ml em outubro, com valor máximo de 1,20 ng/ml), o que é cerca de três vezes (300%) acima do limite legal na água de consumo.

No caso específico das amostras de crianças, houve discrepâncias conforme a época da coleta. Nas de julho, os valores estavam próximos à média. Em outubro, porém, estavam acima, com 0,44 ng/ml, o que é considerado alto para a faixa etária. O resultado, semelhante ao que havia sido detectado em 2016, aponta para a necessidade de mais pesquisas para entender como a exposição a este agrotóxico afeta a saúde dos portugueses conforme a faixa etária e o tempo de contato.

Água contaminada

Dos voluntários que participaram dos testes no ano passado, 80% se declararam consumidores de alimentos sem agrotóxicos e transgênicos com alguma regularidade. O dado explica em parte o resultado satisfatório quando comparado ao de 2016. Entretanto, os alimentos não são os únicos veículos de contaminação. A água e o ar são fontes igualmente relevantes, bem como a época do ano. O glifosato é aplicado nas lavouras no início da primavera. Além disso, análises indicam que a água da bacia do rio Douro tem contaminação 70 vezes maior que o limite máximo permitido pela legislação.

“A ciência mais recente mostra que o glifosato altera profundamente a composição da nossa microbiota gastrointestinal. Quando esse equilíbrio fica comprometido podem surgir doenças graves, desde diabetes tipo 2 a aterosclerose, a obesidade e até câncer. Que mais evidências são necessárias para que o governo cumpra a sua função de proteger a nossa saúde?”, questionou a bióloga Margarida Silva, da Plataforma Transgénicos Fora.

Segundo ela, os estudos conduzidos pela coalização em 2016 mostraram, pela primeira vez, a inesperada e grave contaminação dos portugueses pelo glifosato. E que desde então, o governo ainda não tomou providências para enfrentar o problema – o que foi contestado. 

O Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural afirmou à imprensa portuguesa que o governo “proibiu de imediato a comercialização de herbicidas contendo esta matéria” assim que tomou conhecimento dos resultados da pesquisa. E que o “Executivo já tem em execução várias medidas de apoio aos agricultores, direcionadas para a redução e eliminação da utilização de pesticidas”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nesta terça-feira (26) a conclusão da reavaliação toxicológica do glifosato. O parecer da área técnica é de que seu uso pode continuar sendo permitido no Brasil, já que não causa prejuízos à saúde. Para finalizar a regulamentação, no entanto, a agência vai colocar o tema em consulta pública por 90 dias, para que a sociedade possa se manifestar. 
Clique aqui para acessar a nota técnica da reavaliação toxicológica.

Saiba mais:

Leia também

Últimas notícias