Depois da lama

Fiocruz estima aumento de doenças infecciosas e crônicas em Brumadinho

Pesquisa da Fiocruz aponta que moradores da cidade deverão enfrentar ainda a alta na incidência de dengue, febre amarela, esquistossomose, pressão alta, diabetes e até distúrbios mentais

Isac Nóbrega/Presidência da República

O rompimento da barragem trouxe sofrimento psíquico, destruiu o acesso à água e aos postos de saúde

São Paulo – A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, divulgou hoje estudo que avaliou os impactos imediatos ao rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, no último dia 25. O desastre, que já contabiliza 134 mortos e outros 199 ainda perdidos em meio à lama misturada a rejeitos de mineração, foi causado por falta de manutenção.

São esperados surtos de doenças infecciosas, como dengue, febre amarela e esquistossomose, e o aumento na incidência de problemas crônicos, como pressão alta, diabetes, quadros respiratórios e até de doenças psiquiátricas, como ansiedade e depressão.

Entre as causas de todos esses males estão o estresse causado pelo rompimento, os sofrimento com a perda de entes queridos e amigos, de animais, o contato com a lama, a interrupção do fornecimento de água e a dificuldade de chegar aos postos de saúde e receber medicamentos.

Brumadinho tem cerca de 1.090 casas, abrangendo uma população de 3.485 pessoas

“Sabemos que o SUS está fazendo esforços, mas infelizmente a demanda dentro da área que foi soterrada é tão grande que algumas pessoas podem ser esquecidas”, disse o pesquisador do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz Christovam Barcellos.

Ele disse estar preocupado com a situação, que pode privar de assistência  pessoas com doenças crônicas graves, que necessitem de hemodiálise, por exemplo, ou mesmo hipertensas e diabéticas, que precisam controlar sua saúde para evitar complicações. “Elas precisam ter cuidado especial, porque o quadro pode se agravar, inclusive com o impacto psicológico do desastre”, alertou.

Ainda segundo os pesquisadores, a contaminação do rio Paraopeba pelos rejeitos da mina pode ser percebida pelo aumento da turbidez da água. A presença de uma grande quantidade de material em suspensão causou a imediata mortandade de peixes e inviabilizou a captação e tratamento da água para consumo humano. Outros  componentes químicos presentes na lama do rejeito podem contaminar o rio São Francisco.

“Por isso, é necessário o exame da presença de metais pesados nos rejeitos e seu monitoramento ao longo destes rios para evitar o consumo e uso de águas contaminadas nos próximos anos. O sedimento enriquecido por metais pesados pode ser remobilizado para os rios com as chuvas intensas, ações de dragagem e operação de barragens hidrelétricas ao longo dos próximos anos”, alertou Barcellos.

Além disso, alterações ecológicas provocadas pelo desastre podem favorecer a transmissão de esquistossomose, principalmente se levado em consideração que grande parte do município de Brumadinho e municípios ao longo do rio Paraopeba não é coberta por sistemas de coleta e tratamento de esgotos.

“A transmissão de esquistossomose é facilitada pelo contato com rios contaminados por esgotos domésticos e com presença de caramujos infectados”, disse. “A bacia do rio Paraopeba é uma área de transmissão de febre amarela e um novo surto da doença não pode ser descartado. É urgente a vacinação da população”, ressaltou.

Os pesquisadores apresentaram ainda dados sobre o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em  novembro de 2015, que matou 19 pessoas, deixou desabrigados, destruiu pequenos negócios, afetou pescadores e comunidades indígenas. A mineradora Vale tem metade do controle da Samarco. 

Pelos dados analisados, os pesquisadores encontraram uma queda acentuada do número de internações após o episódio, o que não significa melhora na saúde dos moradores. Pelo contrário. “Isso revela o colapso do sistema de saúde. Muitas vezes, as internações ocorrem por encaminhamento da atenção básica. Isso deixa de funcionar, após as tragédias, para atender as emergências. Até a internação por gravidez, por exemplo, deixa de ocorrer. Algumas pessoas vão ter parto domiciliar improvisado”, disse Barcellos.

Também integrante do Observatório de Clima e Saúde, o pesquisador Diego Xavier acredita que profissionais de saúde também foram afetados diretamente com perdas de entes queridos. “Mesmo que nenhum agente de saúde esteja entre as vítimas, muitos deles tiveram um amigo ou um parente atingido, e que pode ter vindo a óbito. Então, é difícil esperar que essas pessoas consigam manter normalmente suas rotinas de acompanhamento de hipertensos, de grávidas, de diabéticos, de pacientes renais. É impensável que as visitas domiciliares não sofram interrupções”, disse.

Para os pesquisadores, a situação exige medidas dos governos e gestores na criação de planos capazes de contornar as dificuldades. E da Vale, que seja apresentado um projeto de reparação que contemple melhorias estruturais. “Houve sistemas de saneamento danificados pela força da lama, mas em alguns locais eles eram inexistentes. As medidas não podem ser para retomar as condições anteriores. É para melhorar as condições anteriores. O sistema de saneamento deverá ser construído onde não houver”, disse Barcellos.

Para chegar a esses resultados, os pesquisadores da Fiocruz analisaram mapas que permitem identificar residências e unidades de saúde afetadas, comunidades potencialmente isoladas e as áreas soterradas pela lama. E os cruzaram com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Agência Nacional das Águas (ANA) e do Datasus.

Foram consultados ainda estudos internacionais sobre causas e consequências de desastres com barragens de mineração e sobre impactos do desastre da Samarco.

Há no Brasil 24 mil barragens, das quais mais de 600 estão associadas à mineração. Entre os desafios, o enfrentamento dos riscos atuais existentes, as políticas e estratégias de planos de preparação e respostas, incluindo sistemas de alerta e alarme, bem como de recuperação e reconstrução das condições de vida e saúde no médio e longo prazos. 

Ouça também reportagem da Rádio Brasil Atual