Alexandre Padilha

‘Ninguém no mundo questiona medicina cubana. Brasil perde qualidade e quantidade’

Contratação de profissionais estrangeiros para onde médicos locais não querer ir – sem necessidade de revalidar diploma – vem de experiência australiana. EUA tem mil estudantes de Medicina em Cuba

Luciano Velleda

Para o ex-ministro da Saúde, a especialização dos médicos cubanos em saúde básica é uma qualidade difícil de repor

São Paulo – Veio da Austrália a ideia de não precisar revalidar o diploma dos médicos estrangeiros chamados para atuar em localidades onde os profissionais locais não se dispõem a ir. Mas foi a falta da revalidação do diploma uma das críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) que levou Cuba a sair do programa Mais Médicos

A saída dos cubanos cria uma incógnita com relação ao futuro do programa, considerando que os mais de 8.300 profissionais representam quase metade dos atuantes no Mais Médicos. No programa Entre Vistas que vai ao ar nesta terça-feira (27), às 22h, pela TVT, o apresentador Juca Kfouri pergunta ao ex-ministro da Saúde, Alexandra Padilha, o que acontecerá no atendimento da saúde nos rincões do país. “É o fim do Mais Médicos?”

“É um momento triste. Vamos perder em quantidade e qualidade”, afirma Padilha. Criador do programa em 2013, ele lembra que no começo do Mais Médicos cerca de 17 mil profissionais brasileiros se inscreveram para atuar, mas menos de mil efetivamente se apresentaram.

A polêmica em torno da competência dos médicos cubanos, reitera Padilha, não passa de uma falsa discussão. “O mundo não põe em dúvida”, pondera, destacando que esse reconhecimento é principalmente na área da atenção básica devido a característica da formação dos médicos cubanos, que passam os dois anos seguintes à sua formação universitária atuando em saúde da família e comunidade. “A formação em Cuba é tão interessante que hoje existem cerca de mil estudantes americanos fazendo Medicina em Cuba.” 

O ex-ministro cita estudo da Universidade de Brasília (UNB) que demonstra a economia de cerca de R$ 1 milhão em internações desde o início do Mais Médicos, evitadas justamente pela solução do problema antes de seu agravamento.

A discussão em torno da importância da medicina voltada à atenção básica e a deficiência de tal formação entre os médicos brasileiros é um dos principais temas discutidos no programa. “Há um preconceito contra o médico da atenção básica, não só contra os cubanos”, explica Alexandre Padilha, para quem tais profissionais são considerados por seus colegas como médicos de “categoria inferior”.

De acordo com o ex-ministro, a deficiência da formação do médico brasileiro em saúde básica, saúde da família e comunitária é expressa no próprio currículo dos cursos de Medicina, influenciados pela indústria radiológica e farmacêutica.

“As indústrias influenciam tanto no currículo formal quanto no currículo oculto, que são os valores dos médicos que vão fazer uma especialidade que não têm tanto retorno financeiro”, afirma, incluindo também a pediatria e a psiquiatria como especialidades “mal vistas” pelos estudantes de Medicina.

Assista a partir das 22h

A elaboração do Mais Médicos

A maneira como o programa foi gestado é outro ponto importante do Entre Vistas com o ex-ministro da Saúde, que contou também com a participação da pediatra Elzira Vilela, presa política e ex-militante da Ação Popular (AP), e da psiquiatra Janaina Alvez Cruz, médica com atuação na Cruz Vermelha.

Padilha explica que a dificuldade de levar médicos brasileiros para atuar nas regiões mais remotas do Brasil foi a base de tudo. Entre os anos de 2010 e 2012 havia em torno de 700 municípios do país sem um médico sequer. O governo Dilma então passou a conhecer experiências ao redor do mundo, e descobriu que 37% dos médicos na Inglaterra são estrangeiros, o mesmo ocorrendo com 19% dos médicos atuantes na Austrália.

“Fomos vendo que países como o Brasil têm uma parte de sua capacidade médica de estrangeiros, induzindo-os a ir para as regiões mais pobres”, explica o ex-ministro da Saúde. Ao longo do Entre Vistas, Padilha e as duas médicas convidadas falam de diversos aspectos que compõem o Mais Médicos e que até hoje são pouco conhecidos da sociedade, como o apoio a médicos que optem por fazer residência em saúde básica e a melhor formulação da carreira no serviço público.

A polêmica em torno do salário dos médicos cubanos, com parte do pagamento destinado à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), responsável pelo convênio, a adaptação cultural dos profissionais estrangeiros, a pouca sensibilização dos médicos brasileiros pelos problemas sociais do país e o futuro do Sistema Único de Saúde (SUS) são outros temas discutidos no Entre Vistas desta terça-feira.

“Estamos num momento crítico do sistema nacional de saúde, da ideia de saúde como um direito. Vamos ter que saber se a saúde vai continuar sendo um direito ou se será algo que se compra e se vende”, diz o ex-ministro.

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