Transição?

Oxitec fecha fábrica e expõe fracasso da criação do mosquito transgênico

Empresa planeja tirar do mercado primeira geração de Aedes aegypti geneticamente modificado, solto em Piracicaba (SP) e Juiz de Fora (MG). Para especialista, insetos mais modernos também vão fracassar

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Segundo a Oxitec, nova geração de mosquitos dispensa instalações construídas para produção dos primeiros insetos transgênicos. Especialista afirma que tecnologia é um fracasso

São Paulo – A Oxitec Brasil decidiu desativar sua fábrica em Piracicaba (SP), onde vinha produzindo a primeira geração tecnológica de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados (OX513A), liberados em bairros do município desde 2015. Insetos da mesma linhagem haviam sido soltos em Jacobina e Juazeiro, na Bahia, de 2011 a 2013. E desde o final do ano passado, passaram a ser despejados em localidades de Juiz de Fora (MG). De acordo com a empresa, o motivo é a transição para uma versão mais moderna dos mosquitos transgênicos, a OX5034, lançada recentemente em um projeto-piloto em Indaiatuba, também na região de Campinas, que dispensa as antigas instalações.

A Oxitec afirma que os novos Aedes têm como diferencial um gene defeituoso fatal para as fêmeas, que morrerão ainda na fase larval – período aquáticoa do ciclo de vida do mosquito, quando ainda não se transformou em inseto alado, uma característica transmitida para toda a prole. A promessa é reduzir a população de mosquitos selvagens, diminuindo assim a transmissão do vírus causador da dengue, zika e chikungunya. 

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Fase da produção de insetos transgênicos na fábrica de Piracicaba

Ineficaz

A transição anunciada para o novo modelo da tecnologia, porém, não é garantia de sucesso da estratégia de combate ao mosquito da dengue. Muito pelo contrário: tende a repetir o fracasso do primeiro. É o que acredita o professor da Unicamp e integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o entomologista Mohamed Habib. “É nula a diferença entre a primeira e esta nova geração tecnológica do mosquito em termos de eficiência e segurança à saúde e ao meio ambiente. Ambas não funcionam e ainda representam riscos”, alertou.

Conforme o especialista, que acompanhou de perto a tramitação do pedido de liberação da segunda geração tecnológica, tendo emitido parecer técnico contrário à liberação pela Comissão – foi voto vencido –, o abandono gradual da tecnologia mais antiga confirma os alertas que ele vem fazendo há anos.

“Esses insetos tecnologicamente mais modernos foram desenvolvidos para tentar corrigir falhas dos primeiros, mas também não vão funcionar. Poderiam funcionar em áreas insulares, como ilhas, vales cercados, mas não em extensas áreas abertas, em que os mosquitos voam livremente de um ponto para outro, se reproduzindo, como ocorre nessas localidades. E Piracicaba, por exemplo, não é área insular, mas uma extensa área plana”, afirmou.

Habib classificou a tecnologia como “papo furado” em termos de controle da população de Aedes aegypti selvagem, e a Oxitec como criminosa por enganar gestores e a população, feita de cobaia. E destacou ainda os riscos à saúde e ao meio ambiente associados à soltura de milhões de insetos alterados por engenharia genética. “Isso aumenta o número de cruzamentos e pode gerar novas cepas, com impactos ainda desconhecidos à biodiversidade. Além disso, aumenta a população, a circulação do vírus e o consequente contágio de doenças. Sem contar que a adoção do mosquito pode desestimular gestores e a própria população em ações de combater aos criadouros desses insetos. Um problema que deveria estar sendo enfrentado pelo Ministério Público e as autoridades”. 

Tecnologia contestada

O anúncio do fechamento da fábrica de Piracicaba coincide com o lançamento de um relatório pela organização britânica GeneWatch, escrito em língua portuguesa, em que o observatório especializado em pesquisas, políticas e ações envolvendo organismos geneticamente modificados chama a atenção das autoridades brasileiras para o fracasso dos mosquitos transgênicos da primeira geração tecnológica soltos pela Oxitec nas Ilhas Cayman, território no Caribe pertencente à Inglaterra.

Por meio de ferramentas legais de acesso à informação, a GeneWatch obteve cópias de e-mails trocados entre gestores de saúde do arquipélago e representantes da Oxitec. A correspondência revela o descontentamento das autoridades com a tecnologia, que apresenta resultados bem abaixo dos propalados na redução da população de Aedes selvagem, e expõe o custo elevado, que chegaria a US$ 8 milhões para três anos de contrato, caso fosse renovado – o que ainda não foi feito justamente por dúvidas em relação ao custo-benefício. O relatório revela também manobras realizadas em experimentos para manipular resultados em busca de dados favoráveis.

Segundo os dados, enquanto a Oxitec fala em redução de 90% da população de Aedes selvagem, o programa mostra número bem menor, 60%. Uma das razões é o grande número de fêmeas que escapam do controle e são soltas no meio ambiente – daí a razão de a empresa investir na segunda geração tecnológica, com foco no combate às fêmeas.

Conheça a fábrica em desativação

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