Mensalão

Butantan gasta R$ 640 mil por mês com duplos salários e bolsas irregulares

RBA tem acesso a planilhas com nomes de diretores de divisão e de funcionários duplamente remunerados. Outros, que comprovadamente não realizam atividade de pesquisa, recebem bolsas

Ciete Silvério/Estado de SP

Kalil, à esquerda, com Alckmin e Uip em lançamento da terceira fase dos testes da vacina contra a dengue, pesquisada no Butantan

São Paulo – A reportagem da RBA teve acesso a planilhas que demonstram pagamentos de duplo salário para diretores de divisão, gerentes, coordenadores, supervisores, gestores e médicos, entre outros, do Instituto e da Fundação Butantan. E que diretores receberiam ainda cotas para distribuir, em forma de bolsas, a funcionários que comprovadamente não desenvolvem atividade de pesquisa. São diretores, que até onde se sabe, não têm alunos e tampouco exercem no momento atividade de orientação a projetos de pesquisa.

Conforme as planilhas, haveria um custo mensal de R$ 644.344,58 somente para o pagamento de salários e bolsas, o que deixa muito servidor indignado. Há laboratórios de pesquisa em estado precário, carecendo de reformas básicas. E outros, são invadidos pela água em dias de chuvas de fortes.

A planilha intitulada “lista de colaboradores duplo vínculo” traz 46 nomes completos, bem como o das  divisões onde trabalham tanto na Fundação Butantan como no Instituto de mesmo nome. Eles desempenhariam ao mesmo tempo funções tão diversas como diretor de museu e diretor técnico em uma ou em outra das instituições.

Há assistentes técnicos de pesquisa científica do Instituto que na Fundação receberiam pelos serviços prestados como gerente de produção, gerente de desenvolvimento ou coordenador de meio ambiente. Ou mesmo motorista na Fundação e oficial operacional, no Instituto.

Para pagar esses funcionários que ganhariam em duplicidade, a Fundação destinaria R$ 238.121,37 e o Instituto, R$ 195.656,27. O que não significa, porém, que a Fundação pagaria os maiores salários. Cada caso é um caso.

Há oficial administrativo que receberia R$ 6.379,63 pelo Instituto e R$ 11.185,11 como coordenador de RH pela Fundação. E assistente técnico de pesquisa científica que estaria recebendo R$ 9.193,56 do Instituto e bem menos da Fundação: R$ 5.175,61, na função de gerente de Imunologia. Essa dupla remuneração apontada nas planilhas custaria para o contribuinte R$ 433.777,64.

O Instituto Butantan é vinculado à Secretaria da Saúde do governo do Estado de São Paulo, de Geraldo Alckmin. A Fundação, de direito privado, foi criada para fazer a gestão administrativa e financeira do instituto, com finalidade científica, na pesquisa e produção de vacinas e soros.

Cotas

Entre as planilhas, com cópias em poder do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Dimas Eduardo Ramalho, há também aquela que aponta a distribuição de recursos da ordem de R$ 210.566,94, montante que seria administrado pelo ex-diretor do Instituto Butantan, Jorge Kalil, que distribuiria os valores para outros diretores de divisão. Somada aos duplos salários, essa quantia totaliza os R$ 644.344,58.

Nesse esquema, o diretor da divisão de inovação industrial teria cota de R$ 55.423,20; o diretor da divisão científica, de R$ 52.300,00; o diretor de ensaios clínicos, R$ 40.000,00; o diretor técnico, R$ 32.943,74. A cota do próprio Kalil, que até fevereiro era diretor do Instituto, teria valor de R$ 28.000,00. A do seu vice, que foi transferido para outro órgão do governo estadual, seria de R$ 22.461,60, e a da direção cultural, R$ 16.500,00.  

Esses diretores, conforme as planilhas, distribuiriam suas cotas para diferentes bolsistas. No entanto, até onde se sabe, nenhum desses diretores orientam pesquisas e tampouco os bolsistas realizam ou realizaram pesquisas. Alguns ocupam postos de chefia, longe os laboratórios.

São bolsas cujos valores oscilam entre R$ 1.500  e R$ 10.000 mensais, sem que se saiba como foi feita a seleção e os critérios para definição dos valores de cada uma. Tampouco as pesquisas que estariam desenvolvendo. Bolsas pagas por agências fomentadoras oficiais, para estudantes de mestrado e doutorado, que têm de comprovar a pesquisa desenvolvida, e prestar contas, pagam em torno de R$ 1.500 mensais.

Jorge Kalil acumulou as funções de diretor-presidente da Fundação Butantan e diretor do Instituto entre 2011 e 2015, quando foi afastado da fundação, ficando apenas no comando do Instituto. Deste cargo, foi exonerado no último dia 22 de fevereiro pelo secretário de Saúde, David Uip, em meio às denúncias de irregularidades do ex-diretor da Fundação, Franco Montoro Filho, que entregou carta de renúncia denunciando pressões e fraudes. E a seguidos despachos do Tribunal de Contas apontando irregularidades no órgão, como contratos irregulares, sem licitação, muitos pagos antes do início das obras.

Antigas

Irregularidades são anteriores a Kalil no Butantan. Entretanto, sem que sua gestão trabalhasse para corrigi-las, o Tribunal de Contas intensificou a fiscalização, cujas auditorias seguidas constataram a dupla remuneração.

Segundo o despacho de Dimas Ramalho, a coordenadora de RH Ivete Machado da Silva chegou a afirmar em diligência do órgão que “todos os funcionários destacados possuem duplo vínculo, e demonstrou conhecer a forma que estes laboram, tanto que declarou que ‘na grande maioria, embora ocorram jornadas diversas, formalmente, na realidade continuam exercendo as mesmas funções em ambas as entidades”.

Dimas também relata que em entrevistas realizadas com empregados relacionados na lista de duplicidade, a fiscalização do TCE colheu declarações de que “…os demais funcionários de seus respectivos setores exercem seus afazeres tanto em favor da Fundação Butantan, quanto em favor do Instituto Butantan, indistintamente”.

A fiscalização apontou, ainda, que “diversos funcionários, inobstante estarem registrados em uma das instituições ou em ambas, laboram ao mesmo tempo para as duas instituições, inclusive vários diretores”. O TCE pediu as fichas de registro funcional, bem como os comprovantes de pagamento e controles de ponto, que não foram apresentados.

Os auditores do TCE verificaram, entre outras irregularidades, que o então diretor executivo do Instituto Butantan, Carlos Wendel de Magalhães, “que também exerce função de Diretor Cultural na Fundação Butantan, acumulando salário de R$ 32.541,70, mais benefícios, foi empossado como conselheiro do Conselho Curador da Fundação Butantan, sem renúncia do posto de direção, cuja remuneração alcança R$ 26.125,55, mais benefícios, conforme o Estatuto Social da Fundação”.

“Além disso, o Butantan outorgou a Magalhães uma procuração com atribuição de poderes autônomos ou em conjunto com Vitor Emanuel Ribeiro da Cruz Moura”. No Butantan  ninguém sabe quem é Vitor Emanuel, que não tem vínculo com a Fundação. Esta é mais uma irregularidade sobre a qual o TCE quer mais esclarecimentos. 

 

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