Pediatras são despreparados para detectar distúrbios da fala, aponta estudo da USP

Com a demora do encaminhamento para atendimento especializado adequado – que geralmente só acontece depois dos três anos de idade – as crianças com esse problema podem ter seu desenvolvimento prejudicado

Além de demorarem muito para detectar problemas na fala, os pediatras nem sempre fazem o encaminhamento da criança para o especialista da área. As conclusões são de uma pesquisa feita na Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo. A demora do encaminhamento ao profissional específico, que geralmente acontece quando a criança passou dos três anos de vida, pode prejudicar o seu desenvolvimento.

“Em vez de encaminhá-la diretamente para o fonoaudiólogo, para a avaliação das causas do atraso na fala ou da troca de sons ao falar, mandam primeiro para o otorrinolaringologista e o neurologista”, afirma Simone Lopes-Herrera, fonoaudióloga, professora da faculdade e uma das autoras do estudo.

A fonoaudiologia é a ciência responsável, entre outras questões, pela prevenção, diagnóstico, habilitação e reabilitação da voz, da audição e da motricidade oral. A otorrinolaringologia é uma especialidade médica que cuida de doenças do ouvido, nariz e garganta, e a neurologia é o ramo da medicina especializado no sistema nervoso, como problemas relacionados ao cérebro.

Ela conta que o estudo foi feito em 2007 e 2008, quando 79 pediatras do interior de São Paulo responderam a questões específicas sobre as etapas do desenvolvimento da comunicação infantil e a forma de atuação desses profissionais em casos de identificação de distúrbios na comunicação oral.

Os resultados mostraram que cerca de 90% deles estão preocupados com a idade que a criança deve falar corretamente, embora não saibam avaliar se em dado momento está tudo dentro da normalidade – daí o atraso no diagnóstico. Quando avaliam que é o caso de encaminhar a outra especialidade, 45,6% recomendam consultas com otorrinolaringologista, 30,4% com o neurologista, e apenas 15,2% afirmam encaminhar o paciente diretamente para o fonoaudiólogo, segundo a pesquisa.

Segundo Simone, uma das explicações é que os pediatras desconhecem a atuação do profissional da fonoaudiologia. Outra seria a crença de que os distúrbios estariam ligados a um comprometimento auditivo, por isso sugerem a consulta ao otorrinolaringologista.

O resultado do tratamento inadequado é a demora para a criança começar a falar. Aliada à troca de sons, isso pode pode acarretar dificuldades de interação social, já que afetam a qualidade da comunicação. Além disso, pode ainda afetar o desenvolvimento da leitura, da escrita e de todo o processo de aprendizagem. “Quanto mais precoce for a intervenção, menores serão os prejuízos ao desenvolvimento”, diz Simone.

Linguagem e expressão

Outro dado importante, segundo ela, é que os pediatras não são preparados para distinguir fala e linguagem, o que é fundamental para quem trabalha com saúde infantil. Enquanto a linguagem diz respeito à capacidade de representação, a fala corresponde à expressão. “Se eu digo ‘carro’, você consegue imaginar o que eu falo porque compreende o código. Isso está no domínio da linguagem. Agora, se uma criança diz ‘calo’ quando vê um carro, ela compreendeu a mensagem e pode estar apresentando um problema de fala”, exemplifica Simone. “Quem tem condições de diagnosticar se o problema é de fala ou de linguagem, qualquer que seja a idade dela, é o profissional habilitado a isto, ou seja, o fonoaudiólogo”.

Quando o profissional de saúde não sabe fazer essa distinção, como ela ressalta, pode incorrer em grandes erros. “Uma criança com autismo, por exemplo, muitas vezes sabe pronunciar as palavras perfeitamente, isto é, ‘fala bem’, mas tem problemas na hora de entender o significado do que fala”. Essa incompetência, segundo Simone, se deve à formação deficiente dos residentes em pediatria sobre o desenvolvimento da fala e da linguagem infantil.

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