Injustificável

STF suspende novo piso salarial da enfermagem. Categoria vê ‘erro’ e fala em paralisação

Ministro Luís Roberto Barroso acatou ação do setor patronal e deu prazo de 60 dias para explicações sobre impacto econômico do piso da enfermagem. Entidades se articulam contra suspensão

Marcello Casal Jr./EBC
Marcello Casal Jr./EBC
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reunirá nesta terça (6) com Barroso para articular fim do impasse sobre o piso da enfermagem

São Paulo – Em decisão liminar (provisória), divulgada ontem (4), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem, que deveria começar a ser pago a partir desta segunda-feira (5). De acordo com o magistrado, a legislação que estabeleceu nova remuneração mínima para enfermeiros e auxiliares e técnicos em enfermagem ficará suspensa “até que seja esclarecido” o impacto financeiro da medida.

Na liminar, Barroso deu prazo de 60 dias para que os estados, municípios, entidades do setor e os ministérios do Trabalho e da Saúde se manifestem sobre a capacidade para que o piso salarial seja cumprido. A decisão do STF acatou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) que questionou a nova lei que fixou o piso da enfermagem em R$ 4.750. A decisão passará ainda pelo plenário.

O novo patamar mínimo foi estabelecido após amplo debate e mobilização social da categoria no Congresso, que aprovou a lei em julho. A medida foi sancionada pela Presidência da República no dia 4 de agosto. Mas, desde então, vem sofrendo forte oposição principalmente do setor privado

Empresários comemoram

A norma fixou o salário mínimo de R$ 4.750 para enfermeiros. E 70% desse valor no caso de técnicos em enfermagem. Auxiliares de enfermagem e parteiros deveriam receber 50% do piso. O setor patronal alegou, no entanto, que a legislação poderia provocar uma onda de demissões e corte de leitos, com uma ampliação de custos prevista em R$ 17 bilhões no orçamento das instituições de saúde. Ao suspender o pagamento do novo piso, o ministro do STF ainda considerou que a medida não indica uma fonte de custeio. 

“No fundo, afigura-se plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada. Nessa hipótese, teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta”, argumentou Barroso na liminar. A decisão foi celebrada pelo setor empresarial e pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). 

“A Confederação destaca que a medida é fundamental para corrigir a situação atual, tendo em vista que, passados 31 dias desde a promulgação da medida que implementou o piso, o Congresso Nacional não resolver, até o momento, qual será a fonte de custeio para o mesmo, apesar de (os parlamentares terem) se comprometido com isso no momento de votação”, afirmou a CNM em nota ao jornal Folha de S.Paulo

Enfermeiros falam em paralisação

Por outro lado, a suspensão também repercutiu negativamente entre os profissionais da enfermagem, entidades trabalhistas e em defesa da saúde e deputados e senadores. A Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE) convocou para esta segunda uma reunião, em caráter de urgência, para articular a possibilidade de uma paralisação geral da categoria. Em entrevista ao Brasil de Fato, a presidenta da entidade, Shirley Morales, destacou que a decisão de Barroso é “monocrática” e desconsidera que as informações sobre o impacto financeiro do novo piso “já foram colocadas e apresentadas durante o processo de aprovação do piso”. 

“Barroso traz um retorno ao status quo da nossa luta, ignora todo e qualquer documento, os relatórios dos grupos de trabalho do Congresso Nacional. Ele ignora o que já foi debatido, e retoma o que já tinha sido vencido. Nós conseguimos demonstrar que esse impacto orçamentário ia ser muito pouco, principalmente no âmbito do Sistema Único de Saúde, onde a gente teria menos de 3% de impacto”, contesta a presidenta da FNE. 

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Pacheco encontrará Barroso

Autor do Projeto de Lei (PL) 564/2020, que instituiu o novo piso salarial da enfermagem, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) também contestou a suspensão da norma. De acordo com o parlamentar, o estabelecimento da medida foi resultado de uma “luta histórica” de década aprovada com “segurança jurídica” em pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Congresso. Em um vídeo, publicado na manhã de hoje no Twitter, Contarato acrescentou que está empenhado em reverter a decisão da norma e que articula com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), medidas para solucionar o impasse. 

“Pacheco, representando os senadores, se reunirá amanhã (terça) com o ministro Luís Roberto Barroso para tratar de soluções que viabilizem o pagamento do piso salarial. Temos confiança de que a suspensão será revista. Temos lastro jurídico para esta conquista histórica”, informou Contarato. Relatora da proposta que originou a lei, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) também cobrou em suas redes o aumento salarial dos enfermeiros. A parlamentar analisou durante a tramitação do PL o impacto financeiro e orçamentário da medida e destaca que o texto não é inconstitucional e está amparado na Emenda Constitucional 124. 

Suspensão é um ‘erro’

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) divulgou nota classificando a decisão do STF como “discutível por não haver indício mínimo de risco para o sistema de saúde”. “Ocorre que todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos com todos os entes da União, Estados e Municípios, de maneira plural e transparente junto ao Congresso Nacional, com análise técnica do Sistema Cofen/Conselhos Regionais, sendo considerado viável a aprovação do Piso Salarial e sua implementação no sistema de saúde público e privado”, ressaltou o Confen. 

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também destacou a suspensão do piso como “errada”. Desde o dia 18 de agosto, a entidade recomendou ao STF que rejeitasse a ação da Confederação Nacional de Saúde. 

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