Acesso desigual

Sem política pública, autotestes ampliam subnotificação de covid-19 no país

Especialista da Fiocruz detalha usos e problemas dos testes de farmácia que, em mais um erro de Bolsonaro na condução da pandemia, não contribuem como poderiam para conter a transmissão

BRENO ESAKI/AGÊNCIA SAÚDE
BRENO ESAKI/AGÊNCIA SAÚDE
Teste rápido deve ser usado entre 1º e 7º dia após o início dos sintomas da covid-19

São Paulo – Em meio à quarta onda da pandemia no Brasil, os autotestes contra a covid-19 são mais uma ferramenta que pode auxiliar no controle da doença. A principal vantagem é que o teste pode ser feito em casa, com resultado após 15 minutos. Assim, o paciente que testou positivo deve iniciar imediatamente o período de isolamento, de modo a evitar a transmissão da doença para outras pessoas. Mas, da maneira como está sendo o usado no Brasil, o procedimento também traz problemas.

Como mais uma das inúmeras falhas do Ministério da Saúde, os autotestes não foram incorporados ao SUS, o que praticamente inviabiliza o acesso para a população mais pobre. Outro erro grave é que não há uma ferramenta disponível para computar oficialmente os resultados obtidos dentro das casas das pessoas. Dessa maneira, é praticamente consenso entre os especialistas que os autotestes vêm contribuindo para a subnotificação dos casos de covid-19 no Brasil.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou os primeiros testes de antígenos, como também são conhecidos, em fevereiro deste ano. Atualmente existem 30 marcas de autotestes autorizados no Brasil, com preços que chegam à casa de R$ 100 por unidade.

À RBA, o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana criticou mais erros do governo Bolsonaro na condução da pandemia de covid, agora na introdução dos autotestes no Brasil. Além disso, o especialista explicou as condições para a utilização dos testes rápidos, tirou as principais dúvidas sobre o uso da aplicação e deu outras orientações para conter o avanço da quarta onda da covid-19 no país.

Confira a entrevista:

Os autotestes de covid-19 comprados em farmácias são confiáveis? Por que alguns custam mais e outros, menos?

As propriedades técnicas (sensibilidade e especificidade) dos autotestes variam de acordo com o fabricante. No entanto, o maior dos problemas pode não ser exatamente a “confiabilidade” ou o preço dos autotestes e, sim, a forma como o teste é manuseado. Isto inclui a forma de coleta da amostra e a interpretação correta do resultado do teste. Ademais, não se avalia apenas o resultado que aparece na placa do teste, mas também a seu significado no nível individual, avaliando o contexto de exposição da pessoa testada, sintomas e data de início dos mesmos e tantos outros que só um trabalhador de saúde habilitado pode fazer de forma segura.

Em nível sanitário mais geral, há um problema incontornável: esse teste é exclusivo para pessoas que possuem condições financeiras de compra-los e não é possível lançar esses dados em qualquer sistema de informação oficial, ocultando a real incidência da doença no país.

Quais sintomas devem levar uma pessoa a testar, e quanto tempo depois de começar a senti-los?

De forma simplificada, os sintomas de uma síndrome gripal clássica, com atenção para quadros de febre, tosse, irritação ou dor de garganta e nariz congestionado. Além daqueles que se tornaram menos comuns em tempos de ômicron, como a perda de olfato ou paladar ou problemas intestinais/estomacais.

Normalmente, o início dos sintomas se dá depois do quarto dia depois da exposição ao novo coronavírus. Portanto, se a pessoa fizer um teste de antígeno, por exemplo, é recomendado que o faça entre o dia um e o dia sete depois de início dos sintomas. Se o teste estiver disponível no dia 3 depois do início dos sintomas, por exemplo, não há razões de esperar para testar no dia 7.

Convivo com uma pessoa que testou positivo. O que devo fazer se não tenho nenhum sintoma?

Primeiro, evitar contato próximo e sempre usar máscara corretamente. Como estamos falando de um contato que permanece assintomático, o ideal é buscar a testagem a partir do quinto dia após a suposta exposição ao vírus.

Desta forma, caso essa pessoa tenha sido infectada, a carga viral pode aumentar com o passar do tempo, aumentando as chances de o teste confirmar ou sugerir doença ativa.

Convivo com criança pequena não vacinável (abaixo de 5 anos), ou então um idoso ou pessoa com comorbidade, e testei positivo. Quanto tempo devo esperar para retomar a convivência normal?

Primeiro, não deveríamos estar entrando no segundo semestre de 2022 sem conseguir vacinar menores de 5 anos. Outros países já usam essas vacinas especiais nos pequenos em idade pré-escolar. Não existe um período ideal e que funciona para todo mundo.

Mas como estamos falando em pessoas sem proteção vacinal (menores de 5 anos) e ou com o sistema de defesa (imunológico) não tão eficiente, como idosos ou pessoas com comorbidade, por exemplo, o ideal é que só retomemos o contato ou a “convivência normal” após retestagem que comprove que não estamos mais transmitindo o vírus.

Neste caso, o exame mais seguro segue sendo o RT-PCR, acompanhado de avaliação por trabalhador de saúde habilitado. Em relação ao RT-PCR, vale lembrar que a interpretação dele só é segura com o aval por um trabalhador de saúde habilitado. Por exemplo, um teste positivo no décimo dia após o início dos sintomas não necessariamente implica em doença ativa, podendo ser “sobra” de material genético do vírus.

Tenho um compromisso agendado (viagem, show ou festa de casamento, por exemplo). O que fazer se testei positivo, mas tive sintomas leves ou não tive sintomas?

Se testou positivo, o ideal seria fazer isolamento, esperar os sintomas desaparecerem e, em seguida, retestar , afastando qualquer possibilidade de ainda estar transmitindo o vírus. Na prática, é muito difícil testar positivo e não apresentar qualquer sintoma. Daí a importância de os cuidados ou avaliações serem feitas por trabalhador de saúde habilitado. Mas, caso a infecção assintomática ocorra, evitar qualquer tipo de aglomeração e usar máscaras corretamente, especialmente as do tipo N95 ou PFF2.

Passei uma semana isolado e hoje testei negativo. Posso ir a um compromisso como esses ainda hoje?

Sim, mas de máscara, por precaução. E usando, sempre que possível, máscara tipo PFF2/N95.

Quanto tempo devo esperar para tomar vacina depois de sentir sintomas (de gripe ou de covid)?

Pode ser no dia seguinte, em teoria. Mas, idealmente, devemos esperar uns 15 dias. Assim, evita confundir eventuais reações adversas (normalmente toleráveis e leves) com doença ativa, seja pelo novo coronavírus ou mesmo outro agente viral.

Isso também facilita o trabalho de registro e acompanhamento das reações adversas em vacinados, de forma clara e sem eventual confusão com outras condições ou agravos à saúde.


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