Desmonte

Brasil retrocede no controle da mortalidade infantil: duas a cada três mortes de bebês são evitáveis

Fiocruz aponta que duas em cada três mortes de crianças com menos de um ano poderiam ser prevenidas com medidas simples

© Marcello Casal/Agência Brasil
© Marcello Casal/Agência Brasil
Brasil não avança no combate à mortalidade infantil desde 2016

Brasil de Fato – Levantamento produzido por pesquisadoras e pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que o Brasil está voltando no tempo quando o assunto é o controle da mortalidade infantil: a cada três mortes de bebês com menos de um ano de idade no país, duas poderiam ser evitadas com medidas básicas de saúde.

O estudo foi feito pelo Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), que conta com pesquisadores da Fiocruz e do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase). Os pesquisadores apontam políticas simples para reverter o cenário, como pré-natal adequado, incentivo à amamentação e combate à queda na cobertura vacinal.

Anualmente o Brasil registra mais de mil 20 mil casos de mortes evitáveis nessa faixa etária por ano. São crianças que perdem a vida por diarreia ou pneumonia, por exemplo, dois problemas para os quais a ciência e o sistema de saúde já têm solução há muito tempo.

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O pesquisador Cristiano Boccolini, que participou da pesquisa, afirma que o aumento dos sinais de alerta acompanha o desmonte da atenção básica de saúde no Brasil e o desfinanciamento do setor.

“A atenção básica não só contribui para evitar esses óbitos, mas também para reverter uma situação que, infelizmente, é preocupante. Antes de 2015, o Brasil alcançou um dos objetivos do milênio, de reduzir pela metade as mortes infantis, o que foi comemorado. Foi um dos poucos países que alcançou essa meta. Mas desde 2016, a gente vem observando uma estagnação nesse cenário de taxa de mortalidade infantil”, afirma.

Hoje, o país tem cerca de 11 mortes para mil nascimentos. “Nossa atenção primária era para ser referência mundial e, infelizmente, a gente tem visto uma diminuição da cobertura e da qualidade.”

Vacinas

A interrupção no processo de combate às mortes infantis é ainda mais preocupante frente à queda na cobertura vacinal que vem sendo registrada no Brasil. Nos últimos quatro anos, nenhum estado atingiu a cobertura mínima de sarampo, por exemplo.

“Foram 26 mortes por sarampo. Nós não imaginávamos isso. Em mais de uma década, tivemos 3 mortes por sarampo e, agora, há uma recrudescência dessas mortes. Não só mortes, mas também hospitalizações”, aponta Boccoline.

O pesquisador ressalta que o cenário poderia ser pior não fosse o que ainda existe da atenção primária, mesmo que com recursos insuficientes. Ele pontua que o Brasil tem acesso a vacinas para suprir toda a população, mas a entrega ao público final só é possível com mais investimentos em estrutura. “Temos um volume adequado de suprimento. Mas a vacina no braço depende do enfermeiro, do auxiliar de enfermagem, do médico”.

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O cruzamento de dados do Observa Infância e dos sistemas nacionais de informação permite identificar as causas das mortes entres crianças abaixo de 5 anos e os aspectos envolvidos na queda da cobertura vacinal.

Novamente a falta de acesso à atenção básica em saúde é o fator que mais pesa para o cenário. As cidades sem atendimento são as que têm os percentuais mais baixos de imunização. 

Atenção às mães

As políticas para atenção pré-natal e apoio às mães também estão enfraquecidas e impactam o cenário. A falta de aleitamento materno pesa consideravelmente nos óbitos infantis. O levantamento da Fiocruz ressalta a necessidade de promoção da amamentação desde a primeira hora de vida até, no mínimo, os seis meses de idade. 

Uma medida essencial é a regulação da publicidade de produtos artificiais que são usados em substituição ao leite materno, principalmente na internet. Boccolini destaca que os anúncios dos industrializados têm alcance mais expressivo do que as campanhas de amamentação. 

“Esse tipo de marketing escapa da regulação porque não trabalha exatamente com anúncios. São influenciadores digitais, grupos de mães e bebês, promoções personalizadas. Por isso, precisamos de novas formas de regulação e monitoramento do marketing de produtos que concorrem com o aleitamento materno”, salienta.

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O pesquisador afirma ainda que a disponibilidade do pré-natal é a principal ação que precisa ser melhorada no Brasil hoje. Em conjunto com atenção primária de qualidade, esse fator tem potencial para trazer de volta a diminuição da mortalidade infantil. 

“É o mínimo que a nossa constituição prevê. Nós temos leis que garantem o acesso da população à atenção primária. Se nós percebermos que estamos descobertos em alguns desses aspectos, é preciso cobrar. Temos recursos, temos capacidade, temos gabarito e já chegamos a padrões excelentes. Podemos recuperar esses padrões”, conclui.


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