Ação e prevenção

Período de ‘transição’ da covid-19 exige preparação e investimento

Avanço na cobertura vacinal, fortalecimento do SUS e vigilância de novas variantes estão entre as principais desafios, segundo especialistas que participaram de webinar promovido pela Fiocruz

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ampliação dos investimentos em Ciência e Tecnologia também é fundamental para combater emergências em saúde

São Paulo – Embora os brasileiros representem 2,7% da população mundial, o país responde atualmente por cerca de 10,7% dos óbitos causados pela covid-19 em todo o mundo. A falta de uma coordenação nacional no enfrentamento à pandemia cobrou enorme preço em vidas humanas. Nesse momento, a pandemia está “em transição” no Brasil. Com o avanço da vacinação, os números de casos e de óbitos estão em constante declínio nos últimos meses. Isso significa que a doença pode evoluir para uma endemia, quando a população passa a “conviver” com o vírus, ou até mesmo para a sua extinção. Por outro lado, esse pode ser apenas um intervalo até a uma próxima onda da doença, dada a capacidade de mutação do sars-cov-2, que facilita o surgimento de novas variantes.

Independentemente dos cenários que se avizinham, é hora de correr atrás dos passivos deixados pela pandemia no Brasil. Novas epidemias ou pandemias virão, inevitavelmente. E é preciso que o país esteja melhor preparado para evitar o desastre sanitário ocorrido nos dois últimos anos. Essas foram, em linhas gerais, as conclusões dos especialistas que participaram do webinar “A pandemia Covid-19 em transição”, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) nesta quarta-feira (20).

Como prioridade, a presidenta da Fiocruz, Nísia Trindade, apelou para que todos completem o esquema vacinal. “Quem não tomou a terceira dose, àqueles que tem indicação para a quarta dose, vamos estar atentos para essa cobertura”. Além disso, ela citou a necessidade de “investimentos constantes” em Ciência, Tecnologia e inovação. Também defendeu a descentralização dos centros de produção de vacinas em todo o mundo. Outro ponto vital, segundo ela, é fortalecer o SUS. Por fim, ela também destacou a importância do fortalecimento das organizações multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), para o enfrentamento dessas ameaças em nível global.

Não acabou

“Mas a pandemia não acabou, e seus riscos continuam presentes”, frisou o coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz, Carlos Machado. Assim, ele destacou que a a transição deve vir acompanhadas de planejamentos que permitam passar às fases seguintes. Esses planos – de curto, médio e longo prazos – devem incluir os impactos diretos da pandemia, como a chamada covid longa. Assim como os impactos indiretos decorrentes da emergência em saúde, “o que envolve a necessidade de ampliar diagnósticos, tratamentos, reabilitações e hospitalizações que foram adiadas, em função da pandemia”.

Nesse sentido, ele afirmou que o SUS vai necessitar “certamente” de mais investimentos ao longo dos próximos meses e anos. Ele citou o aumentando da capacidade de produção de vacinas, insumos e EPIs como um dos principais objetivos. Além disso, também defendeu o fortalecimento dos sistemas de vigilância em saúde – incluindo a vigilância genômica –, bem como a ampliação das estruturas de Atenção Primária à Saúde (APS, com “equidade” na distribuição de recursos hospitalares, dentre outros. “Esperamos que as próximas fases de transição dessa pandemia deixem o país bem mais preparado para esta e as próximas emergências em saúde pública”, destacou.

Vitória das vacinas

Para Daniel Villela, também do Observatório Covid-19, foram as vacinas que permitiram chegar ao atual estágio de “transição”. Já durante a onda da variante delta, em meados do ano passado, os imunizantes foram eficazes na redução de casos graves e óbitos. Já no final de 2021 e início desse ano, a cobertura vacinal “mais robusta” também foi fundamental para conter os efeitos da onda ômicron, apesar da explosão do número de casos.

“Esses efeitos positivos da vacinação nos permitiram estar nessa fase atual”. No entanto, ele frisou que ainda é necessário avançar na imunização de crianças e idosos. Além disso, é importante atentar para a duração da imunidade conferida pelas vacinas, daí a necessidade das doses de reforço.

Por outro lado, Villela alertou para a possibilidade do surgimento de novas variantes de preocupação. “Isso não está descartado”, afirmou. “Ainda há uma alta circulação do vírus no mundo e a cobertura vacinal é bastante heterogênea. Se aparecer uma variante com características de alta transmissibilidade, é uma questão de tempo para chegar ao país. Contudo, temos essas lições, e temos que saber nos preparar.

Entretanto, ele também afirmou que ainda não é possível classificar a covid-19 no Brasil como “endemia”. Isso porque as doenças endêmicas apresentam um “padrão” no longo prazo. Dessa maneira, o novo coronavírus ainda tem um comportamento marcado por “oscilações”, o que exige monitoramento.

O principal, de acordo com o especialista, é evitar “o clima de que a pandemia acabou”. Além do risco de novas ondas, esse tipo de comportamento poderia contribuir para transformar a covid-19 numa “doença negligenciada”, que continuar a acometer regiões e populações mais vulneráveis.

Preparação

A epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel destacou que ainda não existem parâmetros internacionais, nem consenso na comunidade científica, sobre os critérios que possam classificar a covid-19 como uma endemia. “. O que a gente vai considerar como um número de óbitos considerado normal? O que a gente vai considerar como um número de casos aceitável? Comparado com o quê? Não temos esse consenso internacional. Isso está sendo construído”.

Ethel elencou uma série de medidas que o governo federal deveria tomar antes de ter decretado o fim do estado de emergência. Ela cobrou, por exemplo, que os modernos antivirais desenvolvidos para o tratamento da covid-19 precisam ser disponibilizados pelo SUS. Passados mais de dois anos da pandemia, o Brasil ainda não tem nem sequer um protocolo unificado de atendimento para a doença. “Nós infelizmente não tivemos direcionamento para que políticas públicas fossem adotadas. É importante falar isso, porque a gente não pode errar de novo”.

Além disso, ela cobrou “campanhas efetivas” de estímulo à vacinação, em especial para as doses de reforço. “A gente ainda não sabe como a vacina da covid vai se incorporar no nosso calendário vacinal”, ressaltou. Ethel também reivindicou a criação de equipes multidisciplinares para o atendimento dos pacientes com sequelas da coença.

“A gente precisa que os chamados recursos extraordinários sejam ordinários, incorporados à vigilância. Não conseguimos fazer nenhuma ação sem financiamento. É preciso, que esses recursos sejam incorporados, e que se diga de onde ele vem e para onde ele vai”. Por fim, ela defendeu a criação de um “Instituto Nacional de Monitoramento de Emergências em Saúde Pública”, para congregar os esforços na prevenção e combate a esse tipo de doença.

Confira o webinar da Fiocruz


Leia também


Últimas notícias