Ética em jogo

Câmara pode dar às indústrias farmacêuticas o controle dos testes com humanos

Além de vago quanto aos direitos dos pacientes, projeto prestes a ser votado tira as pesquisas clínicas do controle do comitê de ética vinculado ao Conselho Nacional de Saúde

Emin Baycan/CC.0/Unsplash
Emin Baycan/CC.0/Unsplash
Segundo pesquisadores, o atual sistema tem experiência de duas décadas e tornou-se referência nacional e internacional na regulação social da ética em pesquisa clínica

São Paulo – A Câmara dos Deputados deverá votar nesta próxima semana o Projeto de Lei (PL) 7.082/17, já aprovado no Senado, que institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica. Na última segunda-feira (18), os deputados aprovaram requerimento para regime de urgência de uma proposta que, sob o pretexto de regulamentar a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil, definindo princípios éticos entre o patrocinador dos testes, pesquisadores e pacientes, na prática transfere essa responsabilidade de um comitê vinculado ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) para o controle da indústria farmacêutica.

O que pode parecer um avanço é visto com muita preocupação pelo próprio CNS. Isso porque o projeto substitutivo, apresentado pelo relator, deputado Hiram Gonçalves (PP-RR), retira mais da metade (55%) da participação dos Comitês de Ética e Pesquisa (CEP) na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) das decisões sobre testes clínicos com humanos.

Alex Ferreira/Ag. Câmara
Hiram Gonçalves (PP-RR) (Foto: Alex Ferreira/AG. Câmara)

Além disso, reduz expressivamente a representação dos usuários e do CNS. Em seu lugar, entram representantes de órgãos governamentais, com indicação política. E a coordenação da Conep passará a ser exercida pelo titular da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE), do Ministério da Saúde, também de indicação política.

Hiram Gonçalves é também relator do PL 7.419/2006, que tramita na Câmara, que blinda os planos de saúde contra multas derivadas de negativas de cobertura e é apontado como o maior retrocesso da história para o mercado de saúde suplementar. O projeto prevê, por exemplo, a redução de coberturas, e criação de barreiras para a concessão de liminares aos pacientes, nos casos de judicialização.

Mais retrocessos

O projeto também é vago quanto às prerrogativas dos laboratórios patrocinadores e os direitos dos participantes das pesquisas clínicas. E as alterações propostas na estrutura do sistema têm como objetivo tirar a independência da Conep, “substituindo-a por um modelo atrelado aos interesses mercadológicos”, conforme alerta nota do CNS.

Segundo posicionamento dos pesquisadores em encontro nacional dos Comitês de Ética em Pesquisa, “o PL impõe um retrocesso significativo aos direitos conquistados pelos participantes de pesquisa, seja na imposição de dificuldades de acesso ao pós-estudo com favorecimento explícito do patrocinador, ou na retirada do fornecimento do medicamento experimental ao grupo controle, no caso de benefício coletivo ao término da pesquisa”.

Ainda segundo o documento, o atual sistema CEP/Conep tem experiência de duas décadas e tornou-se referência nacional e internacional na regulação social da ética em pesquisa, com abrangência em todo o país. Atualmente, mais de 90 mil projetos por ano oriundos de diversas instituições acadêmicas, serviços de saúde e indústria farmacêutica são apreciados pelo CEP/Conep, cuja missão primordial é assegurar a autonomia e os direitos dos participantes de pesquisas, garantindo dignidade e pleno exercício de sua cidadania.




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