Pode piorar

Decisão do STJ poderá reduzir cobertura dos planos de saúde

Julgamento nesta quarta (23) decidirá se os planos podem ou não ser obrigados a cobrir procedimentos fora da lista da ANS

Arquivo
Arquivo
Planos de saúde falam em perdas, mas restrições de cobertura resvalam no SUS, que pagou 93% dos testes para covid-19

São Paulo – O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir na quarta-feira (23) se os planos de saúde poderão ou não ser obrigados a cobrir diagnósticos, procedimentos e terapias que não constem do rol de coberturas mínimas estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS. É o caso de exames como o PET scan, um tipo de tomografia computadorizada capaz de diagnosticar o câncer e seu estágio de desenvolvimento, do uso da técnica de videolaparoscopia em diversos procedimentos cirúrgicos, hidroterapia e outras fisioterapias, correção de miopia acima de 12 graus, imunoterapia para tratar tumores, a chamada terapia ABA (análise aplicada ao comportamental) para crianças autistas, ou mesmo medicamentos para enxaqueca, entre outros de grande demanda em planos de saúde mais básicos.

“Quando se tem um câncer ou o médico indica algum exame ou procedimento que não estiver na lista da ANS, como canabidiol para epilepsia, por exemplo, o jeito é judicializar. Em geral, a Justiça entende que o rol da ANS, desatualizado, é exemplificativo. E dá causa ao cliente do plano de saúde”, disse à RBA a jornalista, escritora e ativista Andrea Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa.

Os ministros do STF darão sequência ao julgamento dos chamados embargos de divergência, uma aglutinação de ações movidas por clientes de planos de saúde que tiveram coberturas negadas por não constarem do rol da ANS. Nelas os advogados de à tese de que o rol é exemplificativo. Ou seja, seus itens dão um exemplo do que de deve ser garantido aos clientes em termos de serviços à saúde. O tema é tão abrangente que foi declarado de repercussão geral pelo tribunal.

Planos de saúde e lucro

Em abril de 2021, em meio ao período mais crítico da pandemia de covid-19, a ANS estabeleceu que o rol tem caráter taxativo. Assim, os planos de saúde passaram a ser obrigados a oferecer somente o que está na lista. Com a mudança, houve ainda mais judicialização.

“Se decidirem pelo caráter taxativo do rol, milhões de brasileiros ficarão com o acesso à saúde prejudicado. Não haverá mais possibilidade de recorrer à justiça em caso de negativa de cobertura do convênio”, disse a ativista, destacando que a disputa em questão não anula a luta em defesa do SUS, já que a parcela que será mais prejudicada são trabalhadores.

Os planos de saúde argumentam que, se o STF decidir que o rol é exemplificativo, vai inviabilizar o acesso aos planos privados de saúde no Brasil a uma parcela ainda maior da população. “Uma cobertura ilimitada acaba com a previsibilidade de custos, o que é determinante para o valor do contrato, bem como, diametralmente oposta à sustentabilidade de um sistema que busca proporcionar mais acesso à saúde populacional”, escreveu em artigo publicado no Estadão Nathalia Pompeu, superintendente jurídica da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Disputa econômica

A disputa, porém, é puramente econômica, segundo as ativistas do Instituto Lagarta Vira Pupa, que está organizando um grande ato diante do STF nesta quarta-feira, com participação de entidades de diversas partes do país. “Dentro do direito há jurisprudência e entendimento de que o bem a ser tutelado é a vida, o que parece óbvio. Assim como os médicos e as famílias são os melhores para definir os melhores tratamentos, e não os planos de saúde, que foram instituídos para oferecer saúde suplementar à saúde pública”, afirmou à RBA a advogada Vanessa Ziotti, diretora jurídica do instituto.

Conforme lembrou, as empresas interferem nos tratamentos para obter ganhos que poderiam ser obtidos com outros modelos de gestão de risco. “Querem oferecer o que for mais barato. É o que vimos com a Prevent Senior no caso da pandemia”.

Um estudo do Ipea mostrou que o lucro líquido per capita de planos de saúde mais que dobrou de 2014 a 2018. Em 2014, a receita somou R$ 123,8 bilhões, com crescimento mesmo diante de uma queda de cerca de 3,3 milhões no número de usuários, que encolheu de 50,5 milhões, em 2014, para 47,2 milhões, em 2018.

Considerada atualização para valores de 2018, passou de R$ 75,7 em 2014 para R$ 185,8 em 2018. O lucro líquido mais que dobrou em termos reais no período, de R$ 3,825 bilhões para R$ 8,755 bilhões.

Leia também

Planos de saúde poderão ter aumento recorde em 2022