Covid-19

Vacinação de crianças não pode exigir receita, defendem todos os estados e DF

Em audiência pública, dirigente do conselho diz que os estados que ainda não formalizaram sua oposição à proposta de Queiroga deverão fazê-lo ao longo da semana. Prescrição é rejeitada em consulta pública

Adão de Souza/PBH
Adão de Souza/PBH
Vacina é segura e movimento antivacina presta desserviço

São Paulo – A proposta do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de exigir prescrição médica no momento de vacinar crianças contra a covid-19 foi rejeitada por unanimidade pelos 26 estados, o Distrito Federal e pela maioria dos participantes da consulta pública realizada pelo Ministério. Em audiência pública realizada ao longo desta terça-feira (4) para debater a inclusão da vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid no calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), o vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Nésio Fernandes de Medeiros Filho, disse que até o final da semana todas as unidades da federação já terão se manifestado oficialmente, com a publicação de normas para a vacinação.

“Neste momento, 20 estados da federação, que reúne mais de 80% da população brasileira já publicaram normas sobre o tema. Nesses estados se exigirá prescrição médica para proteger as crianças da covid e das posições antivacina. Acreditamos que ao longo da semana todos os demais estados deverão publicar normas semelhantes. Estados e municípios possuem competências concorrentes às do Ministério da Saúde para  tratar do assunto. A vacinação tem importância para as crianças porque elas não merecem o vírus. Elas merecem uma proteção segura, cientificamente respaldada, aprovada pelas agências reguladoras. Elas merecem vacinas”, disse.

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Em uma fala que arrancou aplausos, o dirigente lembrou o dever do estado de garantir políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção da saúde.

E que no contexto de uma pandemia por doença imunoprevenível – pois já existem vacinas disponíveis – toda posição que estimule a resistência à vacina deve ser combatida, já que reduz a capacidade do sistema de saúde de promover saúde e prevenir doença. “O SUS é garantia de direito universal. Tem a competência de aprovar, comprar, distribuir e aplicar vacinas protegendo a população de doenças infecto contagiosas. Mas também temos de proteger a população de teses que fragilizam a confiança da população em medidas de saúde coletiva e entre elas, as principais é a vacinação.”

Vacinar crianças o quanto antes

“Por isso, nossas posições de gestores do sistema tem de ser claras, seguras, respaldadas nas melhores evidências disponíveis na atualização das instituições competentes. Todas as posições que fragilizam a garantia do acesso à saúde devem ser frontalmente combatidas pelas autoridades sanitárias. Pátria amada é SUS forte, ciência na frente, vacina. O custo-efetividade da vacinação é incomparável com as hospitalizações e mortes. Lamentamos ver o comando da República constrangendo servidores da Anvisa e botando a vacina refém, no centro de um debate ideológico em um espaço e narrativas para legitimar posições que fragilizar a confiança nas vacinas. Reitero a posição do conselho Conass que recomenda a não exigência da prescrição médica para vacinação de crianças contra a covid.

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Mais cedo, na abertura da audiência, a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Leite de Melo, disse que 99.309 participantes, apesar do curto intervalo de tempo em que o documento esteve para consulta. E que a maioria se mostrou favorável à não compulsoriedade da vacinação e a priorização das crianças com comorbidade. “A maioria foi contrária à obrigatoriedade da prescrição médica no ato de vacinação”, disse Rosana.

O debate teve participação de dirigentes de sociedades científicas. Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi, mostrou pesquisas que mostram que as crianças brasileiras estão entre as que mais adoecem e morrem de covid-19 no mundo. Dos 22 milhões de casos e 618 mil mortos, as crianças de 5 a 11 anos representam 20% das hospitalizações e 14% das mortes. Foram 2.453 mortes. Para cada uma dessas hospitalizações, o risco de morte é de 7%. Ou seja, a cada 15 hospitalizações, uma acaba em óbito. E boa parte das que sobrevivem têm sequelas cognitivas, respiratórias e cardiovasculares”, disse, com a experiência de quem atua na linha de frente da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entre outros grandes hospitais.

Reprodução

Objetivos da vacina

Segundo o pediatra, a mortalidade (número de mortes por milhão) na faixa etária é das maiores do mundo. Enquanto nos Estados Unidos é 10 e no Reino Unido (4,5), no Brasil é 43 mortes.

“O objetivo da vacina, e não vamos nos distrair aqui, é evitar internações e complicações da doença. Quanto aos efeitos adversos, aparece a miocarite, mas em número bem menor do que aqueles causados pela doença em si. Até o final de dezembro, mais 8 milhões de crianças de 5 a 11 anos foram vacinadas, com o relato de 11 casos de miocardite. E todos classificados como de evolução clínica favorável”.

A segurança e a eficácia da vacina foram defendidas ainda por representantes das sociedades de Imunizações, Infectologia e de Infectologia, que apresentaram estudos.

Representante da Sociedade Brasileira de Infectologia, a médica do hospital Emílio Ribas Rosana Richtmann, que atua em projetos sociais entre populações ribeirinhas na Amazônia, questionou o aspecto excludente da proposta de Queiroga. “Com dificuldades de acesso a serviços de saúde, como as crianças dessas regiões terão a receita para ter acesso à vacina?”, questionou, lembrando ainda que crianças de 5 a 11 anos não vão sozinhas tomar vacina, mas acompanhadas por responsáveis.

Ela lembrou do aumento exponencial de casos, internações e mortes, que tem vitimado pessoas não vacinadas. “No nosso país, quem são os não vacinados? As crianças.”

Direito da criança à vacina

O representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Richard Pae Kim, destacou o aspecto do direito à vacina como direito constitucional à saúde. “Todos esperamos que haja adoção da melhor decisão pelo Executivo e pelo Legislativo, sempre respeitando a doutrina da proteção integral prevista nao artigo 227 da Constituição. A decisão há de ser clara não só para a segurança jurídica, mas para a saúde das crianças”.

Sabendo do peso da lista dos participantes, o governo tentou equilibrar as forças enviando consultores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) escalou então médicos alinhados com as teses da necropolítica de Jair Bolsonaro. Entre eles, Augusto Nasser, que em setembro fez pronunciamento em audiência pública contra a adoção do passaporte sanitário.

Médico neurocirurgião, Nasser dissemina estudos e dados condenados pelas sociedades científicas. Tanto que o YouTube chegou a retirar do ar um vídeo daquela audiência postado no canal do deputado federal Diego Garcia (Podemos-PR). Seguindo a mesma receita, Nasser hoje questionou, entre outras coisas, a falta de estudos de longo prazo das vacinas desenvolvidas para atender uma emergência mundial. Resta saber se o Youtube vai retirar do ar o vídeo da audiência de hoje

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