‘Todos precisam da terceira dose para se proteger da variante ômicron. E desfiles de carnaval têm de ser cancelados’
“Para quem não está totalmente vacinado, a ômicron pode dar quadro grave, sim”, adverte infectologista Raquel Stucchi
Publicado 14/01/2022 - 20h47
São Paulo – Na atual conjuntura da pandemia de covid-19 no Brasil, com o advento da variante ômicron, a prudência e o bom senso recomendam que as grandes cidades, como Rio e São Paulo, cancelem o carnaval de escolas de samba. Antes de pensar em colocar a fantasia e sair pela escola do coração, as pessoas deveriam pensar em se vacinar, porque ainda não se pode prever o rumo da pandemia. “Tive e tenho muita dificuldade de fazer projeções a médio prazo na pandemia. Porque é sempre uma surpresa. Você pode estar num momento muito bom, e daqui a pouco aparece alguma coisa”, alerta a infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Raquel Stucchi, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
“Acho que o carnaval de escolas de samba, como foi o de blocos de carnaval, deveria ser cancelado, pelo momento epidemiológico que estamos vivendo. Um gestor não pode permitir que haja aglomeração de um desfile de escola.” A médica ressalva que esta opinião não tem nada a ver com o carnaval em si, como festa popular. “Eu adoro, e desfilei várias vezes, Mas tem aglomeração na ida, na volta, na dispersão… Não estamos num momento que nos permita esse tipo de festa”, adverte ainda.
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A variante ômicron parece ter demonstrado na África do Sul, onde surgiu, que sua onda se espalha tão rápido quanto arrefece. E que, apesar de se disseminar de maneira impressionante, com cada contaminado infectando outros seis, provocando crescimento exponencial, as pessoas que pegam a Ômicron teriam entre 50% a 70% menos probabilidade de hospitalização.
Mas há outras variáveis, principalmente a vacinação. Dos internados pela covid-19 no Rio de Janeiro, segundo dados divulgados na última quarta-feira (12), 90% não completaram esquema vacinal. Na Grã-Bretanha, 90% dos internados em cuidados intensivos não foram vacinados contra a covid-19.
Alguns especialistas avaliam que a ômicron, com essas características, pode ser o início do fim da pandemia. Raquel Stucchi defende cautela. ”A gente tem esperança de que a ômicron tenha o mesmo comportamento, aqui, que teve na África do Sul. Num prazo de quatro ou cinco semanas, há um aumento expressivo do número de casos e de transmissão, e depois começa a cair”, diz. “Entretanto, como a transmissão é exponencial, a gente fica apreensiva. Num período de sete semanas, dois meses, podemos ter um comprometimento muito grande do sistema de saúde.”
Confira entrevista deRaquel Stucchi à RBA
Não há consenso entre especialistas sobre a ômicron. Alguns dizem que pode significar o fim da pandemia e outros que não se pode afirmar isso. Sua expectativa é otimista ou pessimista?
A gente tem uma esperança que a ômicron tenha o mesmo comportamento, aqui, que teve na África do Sul. Num prazo de quatro ou cinco semanas, há um aumento expressivo do número de casos e de transmissão, e depois começa a cair. Parece que, no Reino Unido, também tende a uma queda de casos. Entretanto, como a transmissão é exponencial, a gente fica apreensiva. Num período de sete semanas, dois meses, podemos ter um comprometimento muito grande do sistema de saúde.
A nossa campanha de vacinação é um sucesso, e a gente age como se tivesse mais de 80% da população totalmente vacinada, mas não tem. Se a gente considerar que, para a ômicron, precisa de três doses, a nossa porcentagem de pessoas totalmente vacinadas com três doses acima de 18 anos é muito pequena. Isso nos preocupa que nesse intervalo de sete semanas a gente possa ver momentos muito difíceis, como no ano passado.
A variante se alastra muito rápido, mas o risco de internação é menor, ao que parece…
É verdade que comparativamente com a delta o risco de internação é menor e os casos, menos graves. Mas quando você tem um número muito grande de contaminados, mesmo que a proporção de casos graves seja menor, acaba tendo muita gente.
“Eu gostaria que a variante ômicron realmente fosse a última variante. Mas sou um pouco descrente disso. O tempo para que todo mundo pegue a doença é um tempo que, com o vírus circulando, contribui para o aparecimento de novas variantes”
Fora que fica difícil o atendimento de pessoas que precisam ser atendidas com outras doenças, infarto etc.
Quadros agudos, como infarto, acabam sendo atendidos. O problema são as doenças que também são graves, mas não de urgência, como investigação de neoplasia de câncer, por exemplo, cirurgia de glaucoma, catarata. Tudo isso é adiado. São pessoas que tiveram tratamento adiado por quase dois anos. O Rio de Janeiro deve suspender cirurgia eletiva novamente. Isso preocupa demais. Sem contar a saúde física e mental dos profissionais da saúde.
Que são os mais sacrificados e os heróis nessa linha de frente há quase dois anos…
É um trabalho que tem uma exigência de equilíbrio emocional e físico muito grande. As perdas são muitas, e você lidar com isso todo dia, emendando horas e horas de trabalho, não é fácil.
A ômicron pode ser o início do fim, como acreditam alguns especialistas?
Eu gostaria que fosse. Que a ômicron realmente fosse a última variante. Mas sou um pouco descrente disso. Quem advoga essa ideia é porque a ômicron vem que nem um arrastão, “não vai ter jeito, todo mundo vai pegar e a gente já fica com proteção”. Mas a gente sabe que o tempo para que todo mundo pegue a doença é um tempo que, com o vírus circulando, contribui para o aparecimento de novas variantes. E a gente não sabe a característica de uma nova variante, se vai ser mais ou menos grave, transmitir mais ou menos.
Segundo, com a ômicron a gente viu que já ter tido covid não te dá proteção, o que acaba com o conceito de imunidade de rebanho, que, por isso, para a covid não acontece. Então acho otimista dizer que ela vai significar o fim da pandemia. Espero que estejam certos e eu, errada.
“Para quem não está totalmente vacinado, a variante ômicron pode dar quadro grave, sim. Quem já está com quatro meses da segunda dose, que faça a terceira. A gente precisa da terceira dose para enfrentar a variante ômicron”
Enfim, começaremos a vacinar as crianças. Mas como sempre, com o governo atrasando a vida das pessoas e comprometendo a saúde, agora das crianças.
Não só atrasando, porque a gente poderia estar com a maioria das crianças vacinadas, se a gente tivesse comprado as vacinas quando a Anvisa autorizou (em dezembro), Mas o governo fez mais do que atrasar novamente, como com os adultos. Fala contra a vacina, questiona a segurança, incita as pessoas a duvidar da necessidade de vacinar as crianças. A gente sabe que a população brasileira gosta de vacina, nossas campanhas de vacinação sempre tiveram êxito, o programa nacional de vacinação é o melhor do mundo.
É a favor da realização de carnaval de escolas de samba?
Não. Porque é sempre uma surpresa. Você pode estar num momento muito bom e daqui a pouco aparece alguma coisa. Acho que o carnaval de escolas de samba, como o de blocos de carnaval, deveria ser cancelado, pelo momento epidemiológico que estamos vivendo. Um gestor não pode permitir que haja aglomeração de um desfile de escolas. Eu adoro, desfilei várias vezes, e tem aglomeração na ida, na volta, na dispersão… Não estamos num momento que permita. Fora o que atrai de pessoas para as cidades com carnaval, os turistas e tudo. Espero que seja cancelado, neste ano.
Gostaria de acrescentar alguma mensagem à população sobre a pandemia?
A gente já viu, nos dados do hemisfério Norte, e nos do Rio de Janeiro, divulgados ontem, que 90% das pessoas internadas não são vacinadas ou têm vacinação incompleta. Para quem não está totalmente vacinado, a ômicron pode dar quadro grave, sim. Quem já está com quatro meses da segunda dose, que faça a terceira. A gente precisa da terceira dose para enfrentar a variante ômicron.