Preocupação

Como a variante ômicron foi descoberta e o que se sabe até agora

Em última análise, o que se sabe sobre a nova variante até agora reforça que a vacinação universal ainda é nossa melhor aposta contra a covid-19, juntamente com intervenções não farmacológicas

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No início desta semana, em resposta às restrições de fronteira, a OMS publicou orientações que recomendavam cautela em relação às proibições de viagem para controlar a propagação da variante ômicron

Tradução a partir de The ConversationDesde o início da pandemia de covid-19, a Rede de Vigilância Genômica na África do Sul vem monitorando mudanças no SARS-CoV-2. Esta foi uma ferramenta valiosa para entender melhor como o vírus se espalhou. No final de 2020, a rede detectou uma nova linhagem de vírus, a 501Y. V2, que mais tarde ficou conhecida como a variante beta. Agora, uma nova variante SARS-CoV-2 foi identificada – a B.1.1.529. A Organização Mundial da Saúde declarou-a uma variante de preocupação, e atribuiu-lhe o nome Omicron. Para nos ajudar a entender mais, Ozayr Patel, da Conversation Africa, pediu aos cientistas que compartilhassem o que sabem.

Qual é a ciência por trás da pesquisa?

Investigar variantes requer um esforço conjunto. A África do Sul e o Reino Unido foram os primeiros grandes países a implementarem esforços de vigilância genômica em todo o país para o SARS-CoV-2 já em abril de 2020.

A busca por variantes, por mais emocionante que pareça, é realizada pelo sequenciamento do genoma completo de amostras que deram positivo para o vírus. Este processo envolve verificar todas as sequências obtidas por diferenças em comparação com o que sabemos que está circulando na África do Sul e no mundo. Quando vemos múltiplas diferenças, isso imediatamente levanta uma bandeira vermelha e investigamos mais para confirmar o que notamos.

Felizmente, a África do Sul está bem preparada para isso. Graças a um repositório central de resultados laboratoriais do setor público no Serviço Nacional de Laboratórios de Saúde ( NGS-SA), boas relações com laboratórios privados, o Centro de Dados de Saúde Provincial da Província do Cabo Ocidentale a experiência de modelagem de última geração.

Além disso, a África do Sul possui vários laboratórios que podem estudar o vírus e descobrir até onde os anticorpos, formados pela resposta à vacinação ou por conta de uma infecção anterior, são capazes de neutralizar o novo vírus. Esses dados nos permitirão caracterizar o novo vírus.

A variante beta se espalhou muito mais eficientemente entre as pessoas em comparação com o “tipo selvagem” ou “ancestral” SARS-CoV-2 e causou a segunda onda pandêmica da África do Sul. Foi, portanto, classificada como uma variante de preocupação. Durante 2021, outra variante de preocupação chamada delta se espalhou por grande parte do mundo, incluindo a África do Sul, onde causou uma terceira onda pandêmica.

Recentemente, o sequenciamento de rotina realizado pelos laboratórios membros da Rede de Vigilância Genômica detectou uma nova linhagem de vírus, chamada B.1.1.529, na África do Sul. Setenta e sete amostras coletadas em meados de novembro de 2021 na província de Gauteng tinham esse vírus. Também foi relatado em pequeno número nas vizinhas Botsuana e Hong Kong. O caso de Hong Kong é supostamente de um viajante da África do Sul.

A Organização Mundial da Saúde deu ao B.1.1.529 o nome ômicron e classificou-o como uma variante de preocupação, como a beta e a delta.

Por que a África do Sul está apresentando variantes de preocupação?

Não temos certeza. Certamente parece ser mais do que apenas o resultado de esforços conjuntos para monitorar o vírus circulante. Uma teoria é que pessoas com sistemas imunológicos altamente comprometidos, e que experimentam infecção ativa prolongada porque não podem se livrar do vírus, seriam a fonte de novas variantes virais.

A suposição é de que algum grau de “pressão imunológica” (o que significa uma resposta imune que não é forte o suficiente para eliminar o vírus, mas exerce algum grau de pressão seletiva que “força” o vírus a evoluir) cria as condições para que novas variantes surjam.

Apesar de um programa avançado de tratamento antirretroviral para pessoas vivendo com HIV, numerosos indivíduos na África do Sul têm doença avançada causada pelo HIV e não estão em tratamento eficaz. Vários casos clínicos têm sido investigados que sustentam essa hipótese, mas ainda há muito a ser aprendido.

Por que a variante ômicron é preocupante?

A resposta simples é nós não sabemos. A resposta complexa é que a B.1.1.529 carrega certas mutações que são preocupantes. Elas não foram observadas nesta combinação antes, e a proteína spike por si só tem mais de 30 mutações. Isso é importante, porque a proteína spike é o que compõe a maioria das vacinas.

Também podemos dizer que a B.1.1.529 tem um perfil genético muito diferente de outras variantes circulantes de interesse e preocupação. Não parece ser uma “filha da delta” ou “neta da beta”, mas representa uma nova linhagem de SARS-CoV-2.

Algumas de suas alterações genéticas são conhecidas de outras variantes e sabemos que podem afetar a transmissibilidade ou permitir a evasão imunológica, mas muitas são novas e ainda não foram estudadas. Embora possamos fazer algumas previsões, ainda estamos estudando até onde as mutações influenciarão seu comportamento.

Queremos saber sobre a transmissibilidade, a gravidade da doença e a capacidade do vírus de “escapar” da resposta imune em pessoas vacinadas ou recuperadas. Estamos estudando isso de duas maneiras.

Em primeiro lugar, estudos epidemiológicos cuidadosos buscam descobrir se a nova linhagem apresenta alterações na transmissibilidade, capacidade de infectar indivíduos vacinados ou previamente infectados, e assim por diante.

Ao mesmo tempo, estudos laboratoriais examinam as propriedades do vírus. Suas características de crescimento viral são comparadas às de outras variantes do vírus para se determinar o quão bem o vírus pode ser neutralizado por anticorpos encontrados no sangue de indivíduos vacinados ou recuperados.

No final, o entendimento completo das alterações genéticas observadas em B.1.1.529 será possível quando forem considerados os resultados de todos esses diferentes tipos de estudos. É um trabalho complexo, exigente e caro, que prosseguirá por meses, mas é indispensável para entender melhor o vírus e elaborar as melhores estratégias para combatê-lo.

As indicações iniciais apontam para essa variante causando sintomas diferentes ou doenças mais graves?

Ainda não há evidências de diferenças clínicas. O que se sabe é que os casos de infecção por B.1.1.529 aumentaram rapidamente em Gauteng, onde a quarta onda pandêmica do país parece estar começando. Isso sugere fácil transmissibilidade, ainda que em um contexto de intervenções não farmacêuticas muito relaxadas e baixo número de casos. Portanto, não podemos realmente dizer ainda se a B.1.529 é transmitida de forma mais eficiente do que a variante predominante de preocupação anterior, a delta.

A covid-19 é mais propensa a se manifestar como doença grave, muitas vezes com risco de vida em idosos e doentes crônicos. Mas os grupos populacionais mais expostos primeiramente a um novo vírus são pessoas mais jovens, que se deslocam mais e geralmente saudáveis. Se a B.1.1.529 se espalhar ainda mais, levará um tempo até que seus efeitos, em termos de gravidade da doença, possam ser avaliados.

Felizmente, parece que todos os testes diagnósticos que foram verificados até agora são capazes de identificar o novo vírus.

Melhor ainda, parece que alguns ensaios comerciais amplamente utilizados mostram um padrão específico: duas das três sequências de genoma alvo são positivas, mas a terceira não é. É como se a nova variante consistentemente marcasse duas de três caixas no teste existente. Isso pode servir como um marcador para a B.1.1.529, o que significa que podemos estimar rapidamente a proporção de casos positivos devido à infecção por B.1.1.529 por dia e por área. Isso é muito útil para monitorar a propagação do vírus quase em tempo real.

As vacinas atuais protegem contra a nova variante?

Mais uma vez, não sabemos. Os casos conhecidos incluem indivíduos vacinados. No entanto, aprendemos que a proteção imunológica fornecida pela vacinação diminui com o tempo e não protege tanto contra infecções, mas sim contra doenças graves e morte. Uma das análises epidemiológicas iniciadas é analisar quantas pessoas vacinadas foram infectadas com a B.1.1.529.

A possibilidade de que a b.1.1.529 possa escapar da resposta imune é desconcertante. A expectativa otimista é que as altas taxas de soroprevalência, pessoas que já foram infectadas, encontradas por vários estudos, forneçam um grau de “imunidade natural” por pelo menos um período de tempo.

Em última análise, tudo o que se sabe sobre a B.1.529 até agora reforça que a vacinação universal ainda é nossa melhor aposta contra a covid-19 grave e, juntamente com intervenções não farmacológicas, será fundamental no longo caminho destinado a auxiliar o sistema de saúde a lidar durante a próxima onda.

Texto original aqui


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