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Prefeitura de São Paulo deixa faltar medicamentos, fraldas e seringas em UBSs

Dados obtidos com exclusividade pela RBA mostram que mais de mil itens estão em falta em unidades. Gestão de Ricardo Nunes obriga pacientes a peregrinar

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
"A gente não tem o dinheiro para comprar o remédio, mas tiramos de um lugar e de outro para fazer algo que a prefeitura deveria fazer e não está fazendo corretamente", critica paciente

São Paulo – “Inclusive está em falta e eu não consegui pegar agora o alenia, o losartana está em falta, a dipirona, o omeprazol, muitas medicações. Então fica muito difícil porque a gente não tem recurso. Eu trabalho com reciclagem, tenho um filho especial também que toma remédios controlados. Mas teve época que eu fiquei até sem o recurso da fralda que é disponibilizada pelo posto. Estou indo em vários postos atrás de medicação e a gente chega lá com um monte de receita e não tem praticamente remédio nenhum.” A fala da catadora Laura Araújo, moradora do Jardim Tietê, na zona leste da cidade de São Paulo, resume bem a situação de quem busca medicamentos na rede municipal de saúde. 

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) está deixando a cidade sofrer uma falta generalizada de medicamentos, seringas de insulina, fraldas geriátricas, curativos e outros materiais de saúde. O que tem levado muitas pessoas a uma verdadeira peregrinação com as receitas de medicamentos nas mãos. Esse é o caso também da aposentada Ozana Cardoso, moradora da Freguesia do Ó, na zona norte. Desde setembro, ela não tem conseguido medicamentos para asma e nem para o tratamento da hipertensão.

Mais de mil itens em falta

“A falta de medicação aqui na região começou a partir de setembro, mais ou menos. Eu fiz uma comunicação para a Coordenadoria da Zona Norte e chegou a medicação e ela foi distribuída. Porém, a medicação é para asma e o custo fica em torno de R$ 90 a formulação de seis microgramas do remédio alenia. E eu tinha conseguido. Agora o médico alterou para a formulação de 12 microgramas e eu não estou encontrando na rede pública. Eu pesquiso e não aparece em nenhum lugar. Então fica muito difícil. E também um remédio que é básico para a pressão arterial, que é o losartana 50 miligramas, também não está disponível na rede pública. Infelizmente toda vez que você vai simplesmente nos dizem que está em falta”, lamenta.

Dados do Centro de Distribuição de Medicamentos e Correlatos (CDMec) da prefeitura, obtidos com exclusividade pela Rádio Brasil Atual, mostram que mais de mil itens estavam zerados na última quinta-feira (18). Dentre os medicamentos sem estoque estão o sulfato ferroso e o ácido fólico, usados por pessoas grávidas para garantir o pleno desenvolvimento do bebê, e também para recém-nascidos. O besilato de anlodipino, administrado no tratamento de problemas cardíacos, bem como losartana, hidroclorotiazida e atenolol, empregados no tratamento da pressão alta. Também estão em falta gliclazida e metformina de 500 e 850 miligramas usados no tratamento da diabetes Tipo 2. 

O que diz a prefeitura

Antibióticos como azitromicina, levofloxacino e amoxicilina também estão com o estoque zerado. Outro grupo afetado são os psicotrópicos com a falta de carbamazepina, administrado no tratamento da epilepsia, e dos antidepressivos sertralina, fluoxetina e amitriptilina. Também estão em falta os medicamentos isoniazida e rifampicina utilizados no tratamento da tuberculose, doença que vem alta na capital paulista. 

Além dessas drogas, faltam vários tipos de tubo para coleta de sangue, tiras reagentes para medição de glicose, seringas de 3 e 10 mililitros e seringas de insulina de 0,5 e 1 mililitro. Assim como curativos, gazes, coletores de urina, bolsas de colostomia e todos os modelos de fraldas geriátricas.

O governo Nunes alega que a pandemia de covid-19 levou a um aumento nos custos dos medicamentos, além de ter prejudicado a disponibilidade deles. O município também argumenta que os dados do CDMec não computam os medicamentos já entregues nas unidades básicas de saúde. 

Falhas da gestão Nunes

No entanto, em todas as regiões da cidade a população sofre e reclama da falta generalizada de medicamentos e outros itens que deveriam estar disponíveis. A confeiteira Ingrid Novaes, moradora do Grajaú, no extremo sul da cidade, também não consegue remédios para a filha Eliza há algum tempo. Ela conta que está tendo de “se virar” para comprar com o dinheiro que já falta para outras demandas. 

“Por diversas vezes eu tive dificuldades de achar remédios simples, até dipirona não tem. E das vezes que tentei pegar sulfato ferroso durante a gravidez eu não consegui. A Elisa, há duas, três semanas, estava com uma tosse muito forte e fomos na UBS perto de casa e não tinha prednisolona. Antes disso, eu acabei comprando sulfato ferroso para ela. E são remédios básicos. É bem complicado e revoltante, porque o sistema de saúde já não era lá essas coisas e com essa pandemia, ao invés de melhorar, piorou drasticamente. Muitas pessoas perderam o emprego, eu também estou desempregada. E às vezes a gente não tem o dinheiro para comprar o remédio, mas tiramos de um lugar e de outro para fazer algo que a prefeitura deveria fazer e não está fazendo corretamente”, critica.

À reportagem, a vereadora Luana Alves (Psol), integrante da Comissão de Saúde da Câmara, lembra que sempre houve problemas no fornecimento de medicamentos. Mas o que ocorre na gestão Nunes, para ela, “é um absurdo”. 

Justificativa da prefeitura é insustentável

“Esse documento (do CDMec), que revela um dado assustador, confirma o que já estávamos percebendo que acontecia, uma completa falha na gestão das políticas públicas de saúde do município. Não é uma prioridade para essa prefeitura a saúde, em especial nas periferias. (…) Isso quando a prefeitura de São Paulo tem mais de R$ 10 bilhões em caixa. Poucas vezes na história de São Paulo se teve tanto caixa represado. É um absurdo completo”, afirma. A parlamentar destaca que a justificativa da administração municipal, de que a pandemia dificultou a aquisição de medicamentos não é aceitável e avalia que o problema é uma falha de gestão.

“Me parece que é uma falta de vontade política. Porque na verdade, a prefeitura compra em grandes quantidades de fornecedores, ela tem descontos que o cidadão comum não tem na compra de medicamentos. E a questão da pandemia, de fato teve mais demandas profissionais de saúde. Mas a indústria que produz insumos e medicamentos não parou. Então não existe essa justificativa, pelo contrário, incrementaram a produção. Não acho que essa é a desculpa de forma nenhuma. A pandemia cria dificuldades de saúde na ponta, para o profissional de saúde. Para a gestão, na aquisição de suprimentos, não cabe essa justificativa”. 

Em nota, o governo Nunes informou ainda que todos os medicamentos e insumos citados estão em processo de aquisição ou de entrega para as unidades de saúde. O município, contudo, não apresentou um prazo para sanar o problema da falta de medicamentos e materiais. 

Confira a reportagem completa


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