Ciência alerta

Variante delta circula com facilidade entre vacinados. ‘Será uma nova pandemia’, diz pesquisador

Cientistas reafirmam que vacinas seguem como única opção farmacológica contra a covid-19, mas importante é reduzir o contágio, com máscaras e distanciamento social

fabio pozzebom/abr
fabio pozzebom/abr
"Quais vírus estão dominando em cada local? Quais as faixas etárias mais afetadas? Intensificou o aumento, se manteve lento, reverteu? Não sabemos", diz pesquisador

São Paulo – Novos estudos identificaram em laboratório que a variante delta possui grande potencial de contaminação mesmo entre vacinados. Os dados apontam que a nova cepa consegue ser viável em 70,4% de células humanas de vacinados, frente a 17,4% da variante alfa. Pesquisadores reforçam que os imunizantes seguem com alta eficácia para reduzir infecções graves e mortes. Porém, ressaltam que nenhuma vacina é 100% eficaz. Logo, se o vírus consegue circular com intensidade entre vacinados, é possível concluir que, sem controle efetivo da disseminação do novo coronavírus, o número de mortes tende a seguir elevado.

“Resumindo, a variante delta será um grande desafio, uma nova pandemia”, afirma o infectologista e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki. Contudo, o cientista aponta que estudos seguem atestando a eficácia das vacinas, mesmo diante do chamado escape maior da variante delta. “Vacinas protegem do agravamento da covid-19 por qualquer variante. A delta esteve associada com maiores cargas virais considerando a viabilidade em cultura, maior escape vacinal, mas apresentou porcentagem de hospitalização similar à (variante) alpha, confirmando achados prévios. Ou seja, a vacinação completa protege muito de adoecimento grave e de morte. O efeito na transmissão talvez seja menor do que o desejado, mas não é nulo”, completa.

Mesmo com o grande poder de proteção das vacinas, os especialistas seguem com a recomendação de que o vírus precisa circular menos. Para isso, são necessárias medidas não farmacológicas, além da vacinação de mais de 80% da população total. “Medidas de bloqueio da transmissão continuarão necessárias”, alerta o especialista.

Mortes x casos

No Brasil, a redução em relação às mortes diárias por covid-19 prossegue, resultado direto do avanço da vacinação. A média móvel de vítimas diárias está em 765 óbitos a cada um dos últimos sete dias. É o número baixo desde o dia 6 de janeiro. Na última semana, foram notificadas 5.421 mortes por covid no Brasil – a semana com menos vítimas oficialmente registradas desde a última de 2020 (quando grande parte dos serviços de medicina diagnóstica estava na folga de Ano Novo).

Por outro lado, o número médio de casos diários apresenta uma tendência diferente. Depois de indicar queda sustentável entre a segunda quinzena de junho e a segunda semana de agosto, o movimento passou a mostrar leve crescimento. Foram 206.345 novos casos, diante de 198.363 no período anterior.

A reversão da tendência de queda nos casos tem relação com a maior disseminação da variante delta pelo país. Por enquanto, apenas o Rio de Janeiro já declarou a prevalência da nova cepa no estado. A mutação é até 70% mais contagiosa e possui maior resistência às primeiras doses das vacinas em circulação. Diante disso, completar o esquema vacinal é essencial. Novo estudo, divulgado hoje (23), pela universidade Johns Hopkins (EUA), junta-se aos que apontam a maior circulação da delta entre vacinados e mostra que a cepa também tem maior poder de infecção, embora sem predominância de evoluções para casos graves e óbitos.

Covid hoje no Brasil

Os resultados do avanço da vacinação no Brasil seguem positivos. Hoje (23), foi uma das segundas-feiras com menor número de mortes registradas pela infecção, com 321 vítimas em um período de 24 horas.. Com o acréscimo, são 574.848 os brasileiros que morreram em razão do coronavírus desde o início da pandemia, em março de 2020.

O número de infectados no período também foi relativamente baixo, 13.103 novas infecções, elevando para 20.583.993 o total de contaminados pelo vírus no país, também desde março do ano passado. Os números às segundas-feiras tendem a ser inferiores à realidade, já que existe um represamento de dados devido à menor quantidade de diagnósticos emitidos aos finais de semana. O balanço é informado diariamente pelas secretarias estaduais de Saúde e consolidado pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).

Números da covid-19 no Brasil desta segunda-feira (23). Fonte: Conass

No entanto, o número de vacinados no Brasil ainda é pequeno, o que preocupa ainda mais os epidemiologistas. Apenas 27,11% da população receberam as necessárias duas doses de alguma vacina ou a dose única do imunizante da Janssen. Os que já receberam a primeira dose, são 62,88% da população. O agravante do quadro é que, de acordo com o Ministério da Saúde, ao menos 8,5 milhões de brasileiros estão em atraso com a segunda dose.

Na contramão

Enquanto isso, com variações regionais, o poder público segue negligenciando a pandemia. Prefeitos e governadores que antes adotaram medidas para evitar aglomerações, agora retiram completamente as restrições completamente, ignorando sucessivos alertas da ciência para os riscos da variante delta. No Amazonas, por exemplo, a totalidades dos estudantes terá de voltar para as aulas presenciais. Em São Paulo, o governo João Doria anunciou um “libera geral” com o fim dos limites de público e horário para estabelecimentos comerciais, bares, restaurantes e casas noturnas.

Por sua vez, o governo federal mantém sua escalada negacionista. No fim de semana, em entrevista para uma rádio, o presidente Jair Bolsonaro disse que “a vacina chinesa”, em referência à CoronaVac, produzido pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, “parece que não deu muito certo”. Trata-se de mais fake news divulgada irresponsavelmente. A verdade é oposta e estudos atestam grande eficácia da vacina, mesmo diante da variante delta.

Por conta da postura ignorante do presidente, boa parte dos bolsonaristas insistem em medicamentos comprovadamente inúteis contra o vírus. Caso do vermífugo ivermectina, que no sábado (21), fez a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) divulgar um apelo aos norte-americanos para que parem de usá-la contra a covid-19. “Você não é um cavalo. Você não é uma vaca. Sério, vocês todos. Parem com isso”, afirmou a instituição federal norte-americana sobre o uso de ivermectina.

Uma grande parcela dos norte-americanos segue a linha ideológica de Bolsonaro e seu “guru”, o ex-presidente Donald Trump e negam a ciência. Mesmo com abundância de vacinas, menos de 50% dos cidadãos daquele país buscaram se imunizar. O resultado foi um aumento expressivo de casos e mortes. Em estados historicamente mais conservadores, caso do Sul do país, o caso é mais sério. Grandes cidades estão sem leitos para atender pacientes. No Mississipi, por exemplo, apenas 37% da população se vacinou. O governo local também informou que dois terços dos casos de intoxicação nas últimas semanas tem relação com “ingestão de fórmulas de ivermectina para gado ou animais”.


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