Pandemia à solta

Abandono do Plano São Paulo é ‘cálculo político de Doria, não sanitário’, diz cientista

“Libera geral” do governador João Doria pode levar a mortes evitáveis. País passa de 570 mil casos de covid-19 e volta a superar mil mortes em 24 horas

wilson lima/jorge leão
wilson lima/jorge leão
PLC de Doria desvaloriza servidores, retira direitos, reduz adicional de insalubridade de quem atua contra a covid-19

São Paulo – O Brasil registrou hoje (17), novamente, mais de mil mortes por covid-19. Nas últimas 24 horas, foram 1.106 vítimas, e assim o país chegou a são 570.598 desde o início da pandemia. Também foram notificados 37.613 novos casos de contágio, totalizando 20.416.183, de acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). A marca de 570 mil mortes é superada no dia em que o estado com mais vítimas (143 mil) promove o abandono do Plano São Paulo e das medidas de segurança para conter a propagação do vírus.

Números da covid-19 no Brasil. Fonte: Conass

O governador João Doria (PSDB) suspendeu restrições de horário e de ocupação em estabelecimentos comerciais. Além disso, estão liberados shows com público sentado e eventos corporativos. O “libera geral” do Plano São Paulo ocorre um dia após o anúncio da realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 em Interlagos, no dia 7 de novembro, sem restrição de público.

Cientistas criticam a decisão em um momento de disseminação da variante delta do coronavírus, até 70% mais contagiosa, identificada pela primeira vez na Índia e que avança no Brasil. Seis cidades no Rio de Janeiro, estado mais afetado pela cepa até o momento, já estão com falta de leitos de UTI. Embora lamente a decisão de Doria, o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana disse à RBA que o movimento era esperado. “O governador de São Paulo é um candidato declarado à presidência no ano que vem. Neste momento ele deve estar fazendo um cálculo político e não sanitário.”



Tempo de incertezas

Jesem lembra que em diferentes partes do mundo, a cepa provocou aumento de casos e mortes. Muitos países, como os Estados Unidos, retomaram medidas para conter o avanço do vírus. “Estamos vendo acontecer em diferentes lugares do planeta. Países inteiros, como Israel e Chile com alta cobertura vacinal com esquema completo (duas doses), que não é o caso do Brasil, estão tendo retomada do crescimento nos contágios. Além das infecções, internações também crescem e, em alguma medida, mortes por covid-19 em função da variante delta”.

O cientista lembra também que existem estudos em andamento para aplicação de terceiras doses e que a pandemia não acabou. “O Rio de Janeiro é o primeiro estado a relatar dominância aparente da variante e está mostrando que ela pode se sobrepor, pode ser considerada mais competente do ponto de vista biológico do que outras variantes de preocupação, como a gamma (dominante no país). O que vemos no Rio de Janeiro é uma prova de que a epidemia não acabou. Só acabou dentro da cabeça de pessoas que negam a epidemia ou têm intenções políticas por trás de suas decisões. Parece ser o caso do governador João Doria”.

Irresponsabilidade

Outro pesquisador da Fiocruz, Marcelo Gomes, responsável pela elaboração dos boletins InfoGripe da entidade, lembra que apenas as vacinas não são suficientes para frear o vírus. Elas são, sim, eficazes e a principal estratégia, mas devem ser acompanhadas de medidas para controlar a transmissão. Medidas conhecidas, como distanciamento social e uso de máscaras. “Não tem jeito. Enquanto a transmissão estiver alta vai continuar morrendo muita gente. Com qualquer vacina. Isso não é porque elas não funcionam, mas sim porque a gente está agindo como se elas fossem, sozinhas, a solução de todos os problemas”.

O Brasil tem 60,58% da população vacinada com a primeira dose de alguma das vacinas disponíveis e apenas 25,44% totalmente imunizada com as duas. A variante delta reduz significativamente a eficácia das primeiras doses dos fármacos. Estudos apontam para a necessidade das doses de reforço para proteção efetiva. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica aos países a alcançarem mais de 80% da população completamente vacinada para superar a pandemia.

O estatístico da Fiocruz Leonardo Bastos também é crítico da reabertura precoce com os atuais níveis de vacinação. “O momento é péssimo para pensar em flexibilização. Somam-se momento de alta transmissão comunitária, baixa cobertura vacinal com a segunda dose e a chegada de variante mais transmissível, que são ingredientes para um aumento de hospitalizações e, potencialmente, de óbitos”, disse.

plano são paulo
Abandono do Plano São Paulo pode trazer risco de mortes e internações, que poderiam ser evitadas. Estado tem mais de 143 mil mortes e quase 4,2 milhões de casos

Aumento das mortes

Ao comentar o abandono do Plano São Paulo pelo governo Doria, especialistas alertam para uma interrupção na queda das internações mortes por covid-19. “Observamos uma curva acentuada de redução nas internações e mortes. Agora, temos observado uma tendência de platô. Estamos vendo isso em Israel, no Reino Unido, nos Estados Unidos, o crescimento de casos e internações por conta da variante delta, que cresce no Brasil”, disse o infectologista Gerson Salvador, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em entrevista ao repórter Rodrigo Gomes, na Rádio Brasil Atual.

Já o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, na mesma reportagem, afirmou que a flexibilização deve levar a mortes que seriam evitáveis. “O processo de relaxamento das medidas e o retorno a uma certa normalidade, não só em São Paulo, mas como em todo o país, está sendo feito de forma bastante preocupante. Temos 112 milhões de brasileiros que tomaram a primeira dose das vacinas”, disse. “Mas apenas 48 milhões têm doses completas. Deve-se considerar também que a imunização vem sendo extremamente eficaz, mas ela não permite ainda avançar para o controle da transmissão”, observou Chioro, que é infectologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Diante deste cenário, o ex-ministro vê como resultado o recrudescimento da pandemia. “Podemos esperar para as próximas semanas aumento dos casos. Ainda que não com a mesma magnitude do ponto de vista de internações e óbitos. Mas com uma expressão de casos e mortes que poderiam ser evitados se as medidas fossem executadas de forma mais qualificada”, disse.


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