"Cova América"

‘Tapa na cara’: Bolsonaro responde à Copa América com uma rapidez que faltou para as vacinas

Ao mesmo tempo em que ignorou por meses compra de 70 milhões de doses da Pfizer, presidente confirmou quase de imediato a realização do torneio no Brasil

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Juca Kfouri e Luís Roberto que Copa América no Brasil é incompatível com a realidade do país

São Paulo – “O governo brasileiro demonstrou agilidade e capacidade de decisão em um momento fundamental para o futebol sul-americano.” Foi assim que o presidente da Conmebol (confederação que comanda o futebol na América), Alejandro Domínguez, classificou a disposição de Jair Bolsonaro em aceitar sediar a Copa América, mesmo com o Brasil prostrado diante da pandemia da covid-19. Essa mesma agilidade, porém, faltou na hora de garantir vacinas para conter a doença. O presidente teve a oportunidade de fazer a compra de 70 milhões de doses em agosto do ano passado, mas só assinou contrato em março deste ano. A comparação foi feita pelo narrador e jornalista Luís Roberto, no canal SporTV, na tarde desta segunda-feira (31).

Tanto Luís Roberto, no canal pago da Globo, como Juca Kfouri, em comentário na rádio CBN e no portal UOL, utilizaram a expressão “tapa na cara” para classificar a desfaçatez do governo de Jair Bolsonaro (veja vídeos abaixo). “O presidente (Rogério) Caboclo (da CBF) conversou com o presidente Jair Bolsonaro, que apoiou a iniciativa de imediato. Também teve o aval dos ministérios da Casa Civil, da Saúde, das Relações Exteriores e da Secretaria Nacional do Esporte”, acrescentou Alejandro Domínguez, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. O paraguaio ainda tentou minimizar a crise que assola o país, afirmando que “o Brasil vive um momento de estabilidade (em relação à pandemia)”.

Sem noção

O paraguaio parece não estar ciente da gravidade da crise sanitária no país que achou para sediar a Copa América após a desistência de Colômbia e Argentina. O Brasil registra média móvel diária de casos acima de 50 mil desde 25 de fevereiro e acima de 1,8 mil mortes desde 13 de março. Ao todo, já são cerca de 16,5 milhões de infectados e 460 mil vítimas. É o terceiro do mundo em casos e o segundo em mortes.

Na América do Sul, apesar de ter aproximadamente o mesmo número de habitantes de todos os vizinhos de continente somados, o Brasil tem cerca de 4 milhões de casos e 147 mil mortes a mais do que todos eles juntos (12 milhões e 315 mil). A Argentina desistiu de receber o torneio justamente por conta da gravidade da pandemia por lá. Com 45 milhões de habitantes, registram 3,8 milhões de casos e 77 mil mortes. Os números são da Worldometers.

Prioridades?

Se foi ágil para receber a Copa América, o governo Bolsonaro andou no sentido oposto para comprar vacinas contra a pandemia da covid-19. Segundo depoimento na CPI da Covid dado pelo CEO regional da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, o presidente e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ignoraram três ofertas apresentadas pela empresa em agosto do ano passado para a aquisição de 70 milhões de doses do imunizante. Os contratos foram assinados somente em 18 de março.

Murillo também confirmou que o presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, enviou carta ao governo brasileiro, em setembro do ano passado. O documento reafirmava as propostas apresentadas até aquele momento. E explicitava o interesse da empresa em chegar a um acordo com o país. Segundo ele, a correspondência foi endereçada ao presidente Jair Bolsonaro, ao vice-presidente, Hamilton Mourão, ao então chefe da Casa Civil, Braga Neto, e a Pazuello. Também constavam como remetentes o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Nestor Foster. De acordo com o executivo, não houve resposta a essa comunicação por parte do governo brasileiro.

Escárnio, desrespeito, horror

Além do “tapa na cara” citado por Juca Kfouri e Luís Roberto, profissionais da imprensa esportiva brasileira foram às redes sociais criticar a Copa América no Brasil. “O casamento perfeito entre uma entidade negacionista e um país negacionista. Parabéns aos envolvidos”, disse André Rizek, também do SporTV. Paulo Vinícius Coelho, do mesmo canal, afirmou que a realização do torneio “é desrespeito e merece novo movimento: “Não vai ter Copa América”. Gian Oddi, da ESPN, retuitou um texto do também jornalista Jamil Chade em que ele classifica a decisão como um “escárnio e revela que autoridades – do futebol e da política – simplesmente não respeitam vidas, e nem mortes”.

Milly Lacombe, colunista do UOL, cravou que a “Copa América no Brasil é uma deliquência moral”. Luis Augusto Símon, o Menon, que assina um blog no UOL, qualificou como “escárnio” e “falta de respeito”. Chamou a decisão de Bolsonaro de “risada sobre pilhas de cadáveres” e “horror”. Lívia Laranjeira, repórter do SporTV usou de ironia: “A pandemia acabou?” e Renato Maurício Prado, da Fox Sport, afirmou que “qualquer pessoa de bom-senso sabe que não faz o menor sentido insistir na realização desse torneio mequetrefe (que agora é realizado quase que ano após ano) em meio a uma pandemia que devasta a América do Sul”.


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