Capitão cloroquina

Bolsonaro não reservou dinheiro no Orçamento parar combater a covid-19 este ano

Relatório do Tribunal de Contas da União mostra que estados e municípios não receberam repasse federal para lidar com a crise sanitária

Eduardo Matysiak - Carolina Antunes/PR
Eduardo Matysiak - Carolina Antunes/PR
Especialistas temem que doenças erradicadas voltem nos próximos anos

São Paulo – O governo de Jair Bolsonaro não reservou dinheiro no Orçamento da União deste ano para o combate à covid-19. A informação consta de relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) a ser apresentado à CPI da Covid, com início previsto para o próximo dia 27. O documento, ao qual a reportagem do UOL teve acesso, mostra que, até o fim de março, estados e municípios não haviam recebido nenhum recurso do governo federal para lidar com a covid-19. A doença causada pelo novo coronavírus já matou quase 400 mil brasileiros. Em todo o país faltam leitos, insumos básicos para atendimento aos pacientes, oxigênio, anestésicos para os intubados. Sem falar nas vacinas: apenas 4,3% da população brasileira já foi completamente imunizada.

De acordo com o TCU, informa a reportagem, “o Ministério da Saúde dispõe de R$ 20,05 bilhões para aplicação direta [em 2021], porém, R$ 19,9 bilhões estão reservados para despesas relativas à vacinação da população”. Assim, sobrariam R$ 150 mil para todo o resto. “Tal situação mostra-se preocupante, ainda mais nesse cenário de recrudescimento da contaminação e mortalidade”, afirma o TCU. Em 2020, o ministério tinha R$ 63,7 bilhões para gastar com ações relacionadas à covid-19. Procurado, o ministério não respondeu à reportagem.

Situação não era certa

O relatório observa, ainda, que “o governo não se preparou para a possibilidade de piora da pandemia, no início de 2021, mesmo diante das experiências de outros países que enfrentavam um aumento no número de casos da covid-19, após redução de medidas restritivas anteriormente adotadas e do aumento da circulação de pessoas no Brasil, em virtude das festas de fim de ano e do verão”.

Apesar disso, o Ministério da Saúde argumentou ao tribunal que “a situação epidemiológica atualmente verificada não era certa em meados de 2020”, quando teria sido feito o planejamento para o orçamento de 2021.

O TCU deu ao governo federal 15 dias para que incluir dotação para a covid-19 no orçamento, que ainda aguarda sanção presidencial até a quinta-feira (22).

Gastos com cloroquina

Se por um lado Bolsonaro não previu recursos para o combate à covid-19, levantamento do Nexo mostra, por outro lado, o empenho do governo com o chamado “tratamento precoce”. Sem nenhuma comprovação científica de eficácia, e com graves efeitos colaterais entre os que a utilizam, em maio de 2020 o presidente determinou que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército se empenhasse na produção da cloroquina. Foram cerca de 3,2 milhões de comprimidos fabricados, ao custo de R$ 1,16 milhão, segundo dados dos ministérios da Saúde e Defesa.

O preço pago pelo governo de Jair Bolsonaro em insumos para a produção dessa cloroquina registrou aumento de 167% em dois meses. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – responsável pela vacina Oxford/AstraZeneca no Brasil – também foi levada a fabricar 4 milhões de unidades do medicamento, utilizando recursos emergenciais de R$ 70,4 milhões. “Para efeito de comparação, o governo pagou R$ 59,4 milhões para adquirir 2 milhões de doses da vacina da Universidade de Oxford”, informa o Nexo.

Além disso, a secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro gastou cerca de R$ 23,5 milhões em campanhas publicitárias para divulgar “tratamento precoce”. O maior contrato, no valor de R$ 1,31 milhão, foi para a TV Record, ligada à Igreja Universal e simpática a Bolsonaro. Em janeiro de 2021, o Ministério da Saúde distribuiu 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina na capital do Amazonas, lembra a reportagem.