KIT PREJUDICIAL

Gonzalo Vecina: ‘É um desastre que médicos estejam receitando tratamento precoce’

Medicamentos sem eficácia comprovada já colocaram cinco pacientes na fila de transplante de fígado

Marcelo Casal/Agencia Brasil
Marcelo Casal/Agencia Brasil
Fundador da Anvisa afirma que a indicação do "tratamento precoce" é uma ação que vai na contramão do combate ao vírus, prejudicando ainda mais a saúde dos doentes

São Paulo – Médicos que indicam o kit covid-19 e o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), que negou revogar o parecer emitido em 2020 que permite a prescrição do “tratamento precoce”, precisam ser denunciados pelos pacientes. Para o médico infectologista e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina, a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 atenta contra a saúde das pessoas.

O uso do chamado kit covid colocou cinco pacientes na fila do transplante de fígado em São Paulo. Os remédios, defendidos por Jair Bolsonaro e por médicos negacionistas, também é investigado como possíveis causas de morte de outras três pessoas.

Vecina afirma que a indicação do “tratamento precoce” é uma ação que vai na contramão do combate ao vírus, prejudicando ainda mais a saúde dos doentes. “O kit covid não resolve o problema. A ivermectina é hepatotóxica e por isso deixou pacientes na fila de transplante. A cloroquina causa problemas de arritmia cardíaca e a azitromicina está criando bactérias resistentes, tirando a eficácia do remédio. É um desastre que os nossos médicos estejam fazendo isso”, afirmou a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta sexta-feira (26).

‘Tratamento precoce’ e Conselho Federal de Medicina

O Conselho Federal de Medicina (CFM) defende que ainda não há consenso científico sobre o uso dessas drogas no “tratamento precoce” da covid-19, mesmo após a publicação de vários estudos que demonstram a ineficácia, inclusive das farmacêuticas, e a manifestação de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselhando o uso do remédio.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, nesta quinta-feira (25) o presidente do órgão, Mauro Ribeiro, disse que o órgão não pretende rever parecer elaborado em abril do ano passado que autoriza os médicos brasileiros a prescreverem o remédio.

O fundador da Anvisa afirma que o Ministério Público precisa cobrar judicialmente, tanto o presidente da República, que defende publicamente o “tratamento precoce”, quanto os médicos que continuam orientando os seus pacientes nesse sentido.

“Ele (Mauro Ribeiro) terá que ser responsabilizado por esse comportamento. Em abril do ano passado, poderia existir alguma dúvida, mas houve uma enxurrada de pesquisas provando a não eficácia. Por muito menos, o Conselho já se manifestou sobre tratamentos duvidosos, como o uso de ozônio. Tem um plano de saúde que está distribuindo o kit covid. Isso é criminoso e precisam denunciar isso, sem deixar ninguém impune”, criticou Vecina.

Isolamento social

O Brasil segue com a pandemia em ascensão e está no nível mais crítico desde o começo da circulação do vírus no país. De acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), foram notificados, ontem, 2.787 mortos nas últimas 24 horas. O total oficial de vítimas do coronavírus no Brasil é de 303.462 desde o início do surto, em março do ano passado.

Para o médico infectologista, o país terá que “remar muito” para sair dessa situação. A única perspectiva, segundo ele, é fazer a população aderir ao isolamento social. “Se isso não der certo, vamos continuar na escalada de número de mortos. Em 75 dias, o Brasil teve 100 mil mortos. Se o país continuar como está, em agosto, vamos bater meio milhão de mortos”, estima ele.

Sem o isolamento social, sob o argumento de preservar a economia, alguns governantes adotam uma política irresponsável. “É inaceitável, é criminoso, mantendo a economia igualmente estraçalhada. É preciso parar a economia agora para salvar vidas, que serão importantes na reconstrução do Brasil”, acrescentou o especialista.

Gonzalo Vecina também riu da declaração do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni (DEM), sobre o lockdown não funcionar, pois não seria possível “confinar os insetos”, que poderiam transmitir a doença. “Como uma pessoa que ocupa o cargo de ministro vem a público dizer essa besteira? Esse vírus se transmite pelo ar. A chance de ele ser transmitido por um animal é menor do que ser atingido por um raio. É uma ignorância absurda”, ironizou.


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