São Paulo

Lockdown ‘meia boca’ de Doria fracassa e número de internados por covid-19 cresce 62% em 20 dias

Sem coragem para decretar lockdown de verdade, Doria aplicou quarentenas mais restritivas desde 6 de março, com nenhum resultado na pandemia de covid-19

Marcelo Chello/CJPress/Folhapress
Marcelo Chello/CJPress/Folhapress
Sem decretar lockdown, Doria usa distorções de dados para dizer que a quarentena ainda é suficiente para conter a covid-19

São Paulo – Vinte dias após o início das fases mais restritivas da quarentena em São Paulo, “equivalente a um lockdown”, segundo o governo de João Doria (PSDB), o número de pacientes internados com covid-19 cresceu 62%. Em 6 de março, quando passou a valer a fase vermelha da quarentena, havia 18.404 pacientes internados com covid no estado, sendo 8.093 em unidades de terapia intensiva (UTI) e 10.311, em enfermarias. Nesta quarta-feira (24), havia 12.442 pessoas em UTI (+53,7%) e 17.350 em enfermarias (+68,3%). Além disso, só na Grande São Paulo, 767 pessoas com sintomas graves da doença aguardam por um leito de UTI para covid-19, em meio ao colapso do sistema de saúde paulista.

Ao contrário do que diz o governo Doria, não houve qualquer redução no aumento de internações nos últimos dias. Os números aumentam constantemente desde 17 de fevereiro. Ontem, o estado registrou um novo recorde de novas internações, com 3.557. A taxa de ocupação de UTI tem subido mais devagar nos últimos dias, mas dados indicam que isso se deve à falta de leitos e não a uma redução no número de doentes. Já foram registradas 135 mortes de pacientes que aguardavam vaga em UTI em São Paulo.

Capital, entorno e interior

A situação não é diferente na Grande São Paulo, onde, só ontem, 1.915 pessoas foram internadas com covid-19. A taxa de ocupação de UTI na região é de 92,2%. Na capital paulista, a ocupação é de 92,8%. Catorze das 17 regiões do estado estão com a ocupação de UTI acima de 90%. Apesar disso, Doria se nega a decretar lockdown em qualquer região, empurrando a responsabilidade aos prefeitos. Cidades da Baixada Santista decretaram a medida na terça-feira (23). Na Grande São Paulo, 19 prefeitos pediram a decretação de lockdown ao governador, sem serem atendidos.

Dados do Sistema de Monitoramento Inteligente do governo de São Paulo

A única região que apresentou alguma estabilidade na situação foi Araraquara, onde, mesmo sem ação de Doria, um lockdown foi aplicado por dez dias em algumas cidades da região, sob liderança do prefeito, Edinho Silva (PT). Um mês depois do início da medida, o número de novos casos caiu 57,5% e as mortes, 39%. No entanto, a ocupação de UTI para covid-19 segue alta, na casa dos 90%, com uma média de 50 novas internações diárias.

É lockdown ou não, Doria?

Além do número de internações, as quarentenas mais restritivas aplicadas por Doria, em vez de um lockdown efetivo, apresentam resultados alarmantes de novos casos e mortes por covid-19. Desde 6 de março, a média de novos casos subiu de 10 mil novos casos por dia para mais de 15 mil novos casos por dia. A média diária de mortes cresceu de 284 para 483 no mesmo período. E deve subir mais por conta da demora de pacientes graves em ser transferidos para leitos de UTI.

Pressionado a adotar o lockdown devido ao colapso no sistema de saúde, o governo Doria passou a argumentar que as medidas adotadas na fase emergencial são “equivalentes”, como defendido pelo coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, Paulo Menezes, e o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM). No entanto, há diferenças substanciais entre as medidas, já que o lockdown propriamente dito é uma medida de restrição rigorosa de circulação, inclusive com patrulhamento policial. Por sua vez, a fase emergencial em vigor em São Paulo ainda tem várias brechas de circulação de pessoas e de funcionamento do comércio.

Dados do Sistema de Monitoramento Inteligente do governo de São Paulo

Por exemplo, embora não possam receber clientes, muitas lojas de departamentos estão funcionando em sistema de drive thru, com pedidos por aplicativo de mensagens, que os clientes pegam de carro no local, horas depois. Ou mesmo com meia porta aberta, nesse caso, em desrespeito às medidas aplicadas. Em ambos os casos, os trabalhadores dos estabelecimentos são obrigados a se desloca aos locais de trabalho. Mesma situação de shoppings e outros serviços que, embora não estejam abertos aos clientes, mantêm seus funcionários em caráter presencial, atendendo por drive thru. Por decreto, todos os serviços administrativos deviam estar sendo feitos em home office. Mas não é o que ocorre.

Vírus livre

“Eu trabalho na administração de uma distribuidora de aço. Não tive direito a home office, porque a empresa entende que não pode deixar só uma parte da equipe presencial”, afirmou à RBA Carlos Gonçalves, morador de Osasco. “Minha função é administrativa na área de seguros e poderia ser facilmente feita em casa. Mas a empresa não aceitou e continuo indo presencialmente”, contou Leticia Balesteros, moradora do Grajaú, zona sul da capital paulista.

Com situações assim, seguem baixos os percentuais de isolamento social em São Paulo. Na última terça-feira (23), o índice chegou a apenas 45% no estado, apenas um ponto percentual a mais que na semana passada. Na comparação dos dois últimos finais de semana, o índice de isolamento subiu de 46% para 47% no sábado e de 50% para 51%, no domingo. Percentuais muito baixos para que provocar impacto na circulação do vírus e, consequentemente, nas contaminações, internações e mortes.

Como a RBA mostrou no dia 17 de março, a lotação dos ônibus, trens e Metrô segue alta, mesmo com as fases mais restritas da quarentena. O governo paulista chegou a dizer que a lotação dos transportes coletivos caiu 62% na fase emergencial. Mas fez isso comparando com um período anterior à pandemia, em março de 2020. Comparando com os dados mais recentes, do mês de fevereiro, a redução ficou entre 10% e 13,5%.

À própria sorte

Outra situação que resulta na baixa adesão às medidas de isolamento social é a inexistência de auxílio emergencial, tanto para a população que está desempregada e que trabalha informalmente, quanto para pequenas empresas. O governo de Jair Bolsonaro só garantiu o benefício até dezembro do ano passado. E desde então trabalha para não conceder outro auxílio. Sem isso, é praticamente impossível a população aderir às medidas, já que se vê obrigada a escolher entre passar fome ou correr o risco de se contaminar.

“A gente vai com a fé em Deus e tenta evitar algumas situações mais difíceis, mas parar não pode. Todo dia eu saio aqui do Bras para o centro, para vender meus salgadinhos, doces. Ainda temos que fugir do rapa da prefeitura. Quando teve os R$ 600 – do auxílio emergencial – não era uma riqueza, mas dava pra gente se virar. Agora não tem nada, o que a gente vai fazer?”, questiona o ambulante João Augusto dos Santos, que mora de aluguel em um cômodo, com a companheira e um filho de 5 anos.

Doria cobrou publicamente Bolsonaro na semana passada sobre a concessão de auxílio emergencial. Mas ele mesmo não instituiu qualquer política desse tipo no estado de São Paulo. A única medida do governo paulista para amenizar os efeitos da pandemia é a distribuição de cestas básicas para famílias em extrema pobreza.


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