Bioética

Antiético e ineficaz: a aula do Sírio-Libanês para quem quer pagar para furar fila da vacina

Para Comitê do Hospital Sírio-Libanês, compra de vacina por empresas só seria ética e eficaz se fosse para ajudar o SUS, e não para furar fila

Rovena Rosa/Agência Brasil
Rovena Rosa/Agência Brasil
Para o Comitê de Bioética do Sírio-Libanês, competição entre privado e público pode tornar mais caro um já escasso e valioso instrumento capaz de salvar vidas

São Paulo – Em parecer sobre compra de vacinas contra covid-19 por empresas para uso privado, o Hospital Sírio Libanês dá aula de ética e ciência. Para começar, o hospital – da rede privada – enfatiza, por meio de seu Comitê de Bioética, a importância do Sistema Público de Saúde. O texto explica que não se deve individualizar o acesso privilegiado para a furar a fila da vacina. O gesto contraria a lógica da imunidade de rebanho a ser buscada por uma vacinação em massa. O parecer também manda uma diplomática, mas contundente, mensagem a defensores da tese de que quem pode pagar pode furar a fila da vacina. E é claro: a imunização de indivíduos fora dos grupos prioritários “fere os princípios fundamentais da equidade, da integralidade, da universalidade e da justiça distributiva”.

Ou seja, viola não só fundamentos do SUS, como a lógica de uma campanha de vacinação. “O benefício da vacinação é obtido através de estratégia de saúde pública, e não como estratégia de saúde individual. Isso significa que é o efeito decorrente da imunidade de rebanho conferida pela vacinação da população que leva à redução mais impactante da morbi-mortalidade de uma doença. Mais ainda, quanto maior for o porcentual de imunidade da população de maior risco, maior será o benefício da vacinação.”

O documento do Comitê de Bioética do Sírio Libanês, divulgado ontem (29), observa que “privilégios excessivos aos que têm maior poder são enraizados aos hábitos e à cultura da sociedade”. E não deixa de apresentar uma sugestão prática, eficaz e solidária para empresas que têm recursos e interesse em comprar insumos e ajudar a fila da vacina a andar.

“Como alternativa, diante da insuficiência de recurso público, acreditamos que ações colaborativas e transparentes envolvendo a compra privada de vacinas com doação de 100% destas doses para serem disponibilizadas segundo critérios do SUS, reforçariam não só a universalidade, mas também a integralidade do sistema de saúde”, propõe o hospital. “Ações solidárias desta natureza, além do benefício tangível ao sistema de saúde e à população, inspiram uma sociedade a ser melhor e a buscar o bem comum.”

O parecer considera que, com a situação global de escassez, uma estratégia privada individualista pode afetar o preço dos imunizantes. Isso porque um mercado de vendas de vacina durante uma situação de pandemia pode mexer com valores e disponibilidade de acesso. Desse modo, alertam os especialistas, criam-se riscos de uma “competição entre privado e público no acesso mundial a um recurso escasso e valioso capaz de salvar vidas”.

Leia íntegra do relatório do Sírio Libanês


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