Conter o risco

Covid-19 na Europa: relatos da Alemanha, França, Holanda e Reino Unido

Europa enfrenta segunda onda da covid-19, já se preparando para uma terceira. Mas postura de governantes faz com que brasileiros ainda prefiram ficar por lá

Flávia de Souza
Flávia de Souza
Para Flávia, conversas com a família no Brasil revelam que a população não leva situação tão a sério. As contrastantes posturas dos chefes de Estado explicam

São Paulo – A chanceler alemã, Angela Merkel, fez na última quarta-feira (9) um apelo dramático para que as pessoas mantenham o isolamento durante as festas. “Se às véspera do Natal houver muitos contatos e este for o último Natal com nosso avós, então fizemos algo errado. Não devemos deixar isso acontecer”, afirmou Merkel. Mais do que um apelo, foi um aviso: em meio a uma temporada de recrudescimento da pandemia da covid-19 na Europa, se as pessoas não seguirem as novas recomendações de isolamento, porão em risco a si e a vida de pessoas queridas. Nada comparável com o Brasil, onde o próprio presidente da República promove aglomerações, dispensa máscara e se considera “vacinado” por já ter, supostamente, contraído o coronavírus.


Não é a primeira situação de alerta na Alemanha. Flávia de Souza tem 32 anos mudou-se para o país em 2011 e hoje vive em Frankfurt. Todas as atividades não essenciais foram interrompidas em meados de março. O lockdown durou pouco mais de dois meses. “Empresas afetadas receberam ajuda. O governo pagava 60% do valor dos salários para que as pessoas não fossem demitidas. Dois impostos de produtos foram reduzidos. A conta no supermercado ficou mais barata. Água e luz também”, conta a jovem, que atua em controladoria de logística de uma multinacional.

“Eu me sinto segura aqui, pelas ações que o governo adota e pelo sistema de saúde. Sempre disseram que as medidas restritivas eram para que esse sistema não fosse tão afetado, como viram em outros países”, diz. “Aqui, governo do estado e federal tomaram decisões conjuntas e ajudam as pessoas a não sofrer financeiramente.” A principal potência da Europa, de 83 milhões de habitantes, tem 1,3 milhão de casos e 22 mil mortos pela covid-19. A taxa de letalidade é de 550 mortos por milhão de habitantes.

Mas Flávia ainda acha que por vezes o governo demora para agir. Um novo lockdown teve início no começo de novembro para durar quatro semanas. “Depois vão decidir se estendem ou reduzem restrições. Academias, restaurantes, bares, clubes, museus estão fechados. No transporte público, supermercado, tem de usar máscara. E avisam: tem de tampar a boca e o nariz.” Em conversas com a família, ela percebe que a população no Brasil não leva a situação tão a sério. As contrastantes posturas dos chefes de Estado explicam.

A rigidez na França

A radialista Gisèle Naconaski vive com os dois filhos em Narbonne, no sul da França, há 11 anos. As medidas adotadas pelo presidente Emmanuel Macron são consideradas rígidas pela brasileira. “Ele protegeu o país. Passamos a primavera confinados e realmente ao final desse período estávamos com zero mortes e zero contaminações”, descreve. “O problema foi a chegada das férias de verão, nos meses de julho e agosto. Houve relaxamento das regras sanitárias. A Europa decidiu abrir as fronteiras, as pessoas se misturaram e desde setembro percebemos uma retomada da pandemia.”

Com 67 milhões de habitantes, a França é segundo país com mais casos de covid-19 na Europa (atrás da Rússia): tem 2,3 milhões de contágios e e 57 mortes.


Gisèle afirma se sentir segura diante das decisões do governo, mesmo que cometa alguns erros. “Macron tem capacidade de reconhecer quando erra. E tem uma equipe científica que atua com os órgãos ministeriais envolvidos. Houve toda uma atenção às empresas e aos trabalhadores desde o começo”, lembra.

Comparando com o que sabe do Brasil por amigos e familiares, o primeiro paralelo traçado por Gisèle refere-se à autoridade presidencial. “O Estado francês não somente tomou as medidas necessárias para tentar conter a proliferação do vírus, como deu apoio financeiro para que a sociedade pudesse sobreviver durante o primeiro confinamento”, destaca. “E agora, para esse segundo confinamento, também estão adotando medidas. O que não quer dizer que sejam medidas populares. O índice de aprovação a esse confinamento está muito baixo. As pessoas sabem que existem muitas perdas econômicas. Mas é lei, e as pessoas são obrigadas a se manter em casa”, explica. Quem sai de casa sem certificação paga multa de € 135 (R$ 830).

Holanda demorou

Para a gerente de marketing Marina Segalla, 32 anos, a Holanda demorou para tomar medidas contra a covid-19 em comparação com outros países da Europa. “Demorou para ter caso também. A gente via que os países estavam naquela comoção, e aqui nada. Acho que isso é bem o estilo holandês, de não interferir na vida das pessoas”, avalia Marina, que vive em Amsterdam desde agosto do ano passado.

Mas em meados de março tudo fechou: academia, bares, restaurantes, museus etc. Só algumas lojas, supermercados e farmácias abriam. “A gente podia sair de casa, até para cuidar da saúde mental, mas em grupos pequenos, de até quatro pessoas.” Tudo sempre com regras claras e com multa em caso de descumprimento. “É um país muito pequeno, mais fácil de controlar. Tem uma confiança no governo, mesmo com críticas – diferente do que vejo no Brasil.”

Cerca de 17,5 milhões de pessoa vivem na Holanda. O pais já registrou pouco mais de 603 mil casos e 10 mil óbitos – com taxa de 565 mortes para cada milhão de habitantes.

Um plano claro

Máscaras nunca foram obrigatórias, mas desde junho devem ser usadas no transporte público. No verão, academias e restaurantes voltaram a abrir, com reservas, capacidade limitada, tempo de permanência restrito. “E todo mundo cumpre”, observa. “Mas o que aconteceu é que no outono (final de setembro) voltamos para um lockdown quase total. E a gente já vê impacto nos números que voltaram a cair. É ruim, ninguém aguenta mais, mas a gente consegue ver que está melhorando, está fazendo sentido.”

Marina segue em home office desde o início da pandemia, assim como todo trabalhador que pode. Os números são divulgados diariamente e o primeiro-ministro, Mark Rutte, fala das medidas necessárias a cada duas semanas. “A gente consegue enxergar que tem um plano claro, único, que está todo mundo seguindo.”

Reino Unido

O químico Gabriel Negrão Meloni, 32 anos, é pesquisador na Universidade de Warwick, em Coventry, Inglaterra. Desde 2018 está fora do Brasil, para onde volta pelo menos duas vezes por ano para rever família e amigos. “Existem diferenças básicas”, afirma ele. “Aqui a gente de fato viu um lockdown e está vendo um segundo. Passamos por um lockdown que não podíamos nem sair de casa. Depois era possível sair apenas uma hora por dia para atividades físicas ou comprar comida. Depois a vida um pouco que voltou a normal.”

O país tem 67 milhões de habitantes, com 1,8 milhão de casos de covid e 64 mil mortes – taxa de 950 para 1 milhão de habitantes, um dos maiores índices de mortes pela covid-19 na Europa.

Gabriel fala da angústia de estar longe da família. Porém, o fato de a ciência e a educação no Brasil não serem valorizadas reduz a possibilidade de voltar ao país. E os dilemas aumentaram: “O que fazer? Abro mão daqui para voltar e cuidar da família? Ou fico aqui e cuido da vida pessoal, torcendo pelo melhor para a família tentando estar presente à distância?”.

Desde o início da pandemia o governo britânico auxilia famílias e empresas. “A economia sofreu bastante. Tem muita gente perdendo negócios, mas deu pra ver que existe apoio, um suporte. Para mim, da academia, e isso foi garantido pela própria universidade, uma das primeiras coisas que falaram era que estavam protegendo nossa saúde, nossos empregos e a comunidade. Sempre tivemos a garantia de que não seriamos demitidos, até porque o governo estaria pagando 80% dos nossos salários se fosse preciso.”


Edição: Paulo Donizetti de Souza


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