Coronavírus

Interesses da indústria e disputas políticas decidirão acesso à vacina, afirma ex-ministro

Para Arthur Chioro, OMS é que deveria controlar o acesso às vacinas que os grandes laboratórios – e alguns governos – cobiçam em desenvolver o quanto antes

Sputnik / Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa da Rússia
Sputnik / Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa da Rússia
Grande esperança, a vacina não deve chegar antes de meados do ano que vem

São Paulo – A chegada de uma vacina contra o novo coronavírus é a grande esperança contra uma doença que já matou mais de 700 mil pessoas em todo o mundo, das quais perto de 110 mil apenas no Brasil. No entanto, a previsão para uma vacina eficaz e segura não é para antes de meados de 2021. E o acesso ao imunizante não deverá ser garantido a todas as pessoas, em todos os países, de maneira equânime. A opinião é do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro.

Cobiça das farmacêuticas pode limitar acesso universal à vacina contra covid-19

Em participação em live (íntegra abaixo) promovida pelo vereador de São Paulo Donato (PT) na noite desta terça-feira (18), Chioro afirmou que interesses econômicos e geopolíticos devem determinar o acesso à vacina que vem sendo pesquisada por diversos laboratórios privados em parceria com laboratórios públicos, como é o caso da Fiocruz e do Instituto Butantan.

Ministro no governo de Dilma Rousseff e professor de Medicina Preventiva na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Chioro destacou que a cada anúncio de perspectiva de lançamento da vacina as ações desses laboratórios têm grande valorização nas bolsas de valores. Mas esse jogo midiático com objetivos financeiros não é o único fator.

Há ainda a disputa por bilhões de euros de fundos públicos e doações privadas de grandes doadores, como as fundações Bloomberg e Bill e Melinda Gates para pesquisa e inovação tecnológica. “É um jogo que está sendo jogado não só para agora, mas para as próximas décadas. Os laboratórios que chegarem à vacina saem na frente da corrida biotecnológica para outras coisas também”, disse.

Disputas políticas

Além disso, há as disputas políticas. No âmbito nacional, o presidente Jair Bolsonaro, que “não fez absolutamente nada”, conforme destacou Chioro, deixou a Fiocruz à bancarrota até descobrir que a instituição tinha capacidade para produzir vacinas em parceria com grandes laboratórios. “Então vem com medida provisória para destinar dois milhões para compra da vacina. E o governador João Doria faz a mesma coisa em relação ao Butantan. Duas instituições, aliás, que foram fortalecidas graças aos investimentos feitos nos governos Lula e Dilma”.

Na geopolítica internacional, afirmou, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, faz seu jogo, assim como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a China. “Não há dúvida de que teremos a vacina, mas plataformas tecnológicas são diferentes. Os russos queimaram a terceira fase dos testes com a sua vacina, batizada de Sputnik, fizeram o jogo do tapetão. Mas pode dar certo? Pode. O instituto russo tem mais de 150 anos e fez a vacina contra o Ebola e a MERS (um tipo de síndrome respiratória). A China tem vários laboratórios e os Estados Unidos estão atrasados, argumentando que por restrições regulatórias, mas acho que também vão chegar. A aposta é que tenhamos quatro, cinco vacinas”.

No entanto, é preciso uma produção gigantesca de vacinas para imunizar os mais de 8 bilhões de habitantes do planeta e também para estimular a concorrência e equilibrar os preços.

E o problema não para por aí, segundo Chioro. A Organização Mundial da Saúde (OMS), que capta recursos e define critérios para a imunização em todos os países, passa por um franco processo de enfraquecimento, comandado pelos Estados Unidos.

Auxílio emergencial

E vacinar, conforme destacou, não se limita à obtenção do imunizante. O mundo não tem à disposição frascos, tampinhas, seringas e agulhas suficientes para as diversas doses necessárias. Além disso, União Europeia e Estados Unidos se antecipam à compra de um produto que não deve estar disponível antes do segundo semestre de 2021.

“Não temos certeza de que a distribuição será equânime. Há o exemplo dos respiradores. O governo dos Estados Unidos praticamente sequestrou aviões que paravam para abastecer no país e compravam a carga”, lembrou.

Para o ex-ministro, tal perspectiva reforça a necessidade de medidas para prevenir o contágio pelo novo coronavírus, que tem vitimado os mais pobres. É o caso da complementação do auxílio emergencial, para que essas populações possam fazer o isolamento social e se proteger, e da testagem em massa. “Se houvesse coordenação das ações, os testes poderiam ser analisados em laboratórios de biologia molecular das universidades públicas e até da Embrapa. E em vez de aplicar recursos em hospitais de campanha, provisórios, investir na melhoria e ampliação dos hospitais da rede pública”.

Assista à live na íntegra:

Edição: Fábio M. Michel


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