Mais sofrimento

Vida em tempos de covid-19 é pior que nas colônias, dizem hansenianos

Apesar da separação dos familiares, havia abraços entre os internos. Agora há a solidão, a perda dos amigos e a “falta de amor e de resposta do presidente”

Reprodução
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Ex-presidente Lula quis saber o que pensa sobre isolamento quem entende de isolamento

São Paulo – A separação forçada da filha pequena para se internar, compulsoriamente, em uma colônia para tratamento da Hanseníase virou uma lembrança triste para Terezinha Prudêncio da Silva. Os anos de isolamento na antiga Colônia Souza Araújo, no Acre, trouxeram também o entendimento para a luta pelos direitos das pessoas atingidas pela doença. E dona Terezinha tornou-se mais liderança do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) no seu estado.

Para ela, os tempos difíceis de exclusão da sociedade por causa de uma doença eram compensados pelo convívio com outras pessoas na mesma condição. Havia amizade, companheirismo, solidariedade, afeto. Justamente o que ela não vê nesses tempos de covid-19.

Em live na noite desta terça-feira (26) com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros integrantes do Morhan, ela disse que o que gostaria de dizer que para seus filhos e netos é que escolham melhor seus representantes. “Procurem representantes que possam dar mais amor, mais carinho e mais dedicação”, disse, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro.

“As pessoas estão ali em seus leitos, sem oxigênio, ou presas em casa. Já perdemos muitos amigos, não temos o direito de abraçar e o presidente não está dando resposta nenhuma. É muito lamentável ver a situação desse povo, o abandono. É preciso alguém com coração”, disse.

Três dias de canoa

Integrante do Morhan em Manaus, Valdenora Rodrigues vive na antiga Colônia do Aleixo, na mesma cidade, desde os 8 anos, quando surgiram os sintomas. Viajou sozinha três dias de canoa para chegar. Ali cresceu, trabalhou, casou e teve seu filho. E, mesmo com a desativação do hospital-colônia, continuou morando ali. O filho casou e se mudou.

“A diferença desse isolamento para nós é que, naquele tempo, todos sofríamos do mesmo problema. Hoje nosso isolamento está pior. Estamos isolados de todos, não vejo amigos e não posso dar um abraço em ninguém. Vivo triste. Muitos companheiros que foram, filhos que foram.”

Nelson Pereira Flores, da antiga colônia de Santa Isabel, em Betim (MG), afirmou estar muito preocupado. “Está morrendo muita gente. Tem de ser feito um programa, não pode um ministério da Saúde ser comandado por alguém que não seja cientista”, disse.

O ativista pelos direitos dos atingidos pela Hanseníase, que passou a infância, a adolescência e se casou em uma colônia, afirma que não quer morrer de covid-19. “Não quero ser levado por esse vírus”.

O primeiro

A conversa foi marcada pela emoção e gratidão a Lula. O ex-presidente foi o primeiro a receber pessoas atingidas pela Hanseníase no Palácio do Planalto e fez do Brasil o segundo país a reparar os direitos dessas pessoas.

Em 2007, a MP 373 foi convertida na Lei 11.520, que concedeu pensão indenizatória às pessoas atingidas pela Hanseníase e que foram submetidas ao isolamento compulsório em hospitais-colônia. E pelo Decreto 6.564/2008, Lula incluiu essa população entre os atendidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Previdência Social.

Durante mais de 60 anos, pacientes que fossem diagnosticados com a doença eram isolados do convívio com a sociedade, obrigados a se internar em hospitais-colônia, pejorativamente chamados de “leprosários”, política que só foi encerrada em 1986.

O médico, ex-senador e ex-governador do Acre Tião Viana (PT) também participou da live. Ele lamentou que os avanços obtidos nos governos Lula e até o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff estejam agora em sentido oposto. “Essas pessoas começam a ser esquecidas novamente, começa a faltar informação e essa doença tem todo um recorte social”.

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