Direito à vida

Pernambuco: pandemia agora atinge os mais pobres, e cresce número de mortes em casa

Segundo médico, após início na classe média, doença avança “com força” nos bairros populares. Estado registra quase 16 mil casos, mas estimativa é de que sejam mais de 100 mil

Andrea Rego Barros/Pref. Recife
Andrea Rego Barros/Pref. Recife
Drone é usado pela prefeitura de Recife, que aumentará restrições de circulação com bloqueios em vias no combate à covid-19

São Paulo – A Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco confirmou na sexta-feira (15) 621 casos de covid-19, somando 16.209, sendo 8.554 considerados graves e 7.655, leves. O estado confirmou ainda 83 mortes (47 homens e 36 mulheres), levando o total a 1.381. A partir de hoje (16), Recife e quatro cidades da região metropolitana terão regras mais rígidas de isolamento, com restrição maior de circulação e bloqueios em vias.

Entre as várias preocupações que a pandemia de coronavírus traz, está a da subnotificação e do agravamento da situação em áreas mais pobres. Esse foi o tema de podcast que reuniu, entre outros, o doutor em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Tiago Feitosa, da coordenação da Rede Solidária em Defesa da Vida do estado, e o professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Manoel Moraes, coordenador da Cátedra Unesco/Unicap de Direitos Humanos Dom Helder Câmara.

Feitosa fez referência a “faces ocultas” da pandemia, como o aumento do número de óbitos em casa, principalmente entre a população de baixa renda. É o processo que ele chama de “pauperização” da crise, que inicialmente atingiu a classe média, gente que viajou para fora do país ou teve contato com quem regressou de viagem. “Dois meses depois, a gente está vendo chegar com muita força nos bairros populares.”

Subnotificação “monstruosa”

“A gente está começando a se debruçar sobre os dados para dar visibilidade a essas pessoas”, disse ainda Feitosa, a respeito do crescimento de mortes nas casas da população mais vulnerável. Segundo ele, a subnotificação é “monstruosa”. O especialista estima que apenas em Pernambuco os casos superem 100 mil.

A formação da Rede Solidária em Pernambuco inspirou-se em iniciativas na Espanha e na Itália, “quando a pandemia tomou dimensão parecida com o que está acontecendo no Brasil”. Havia organizações semelhantes no Rio de Janeiro e em São Paulo, que se unificaram. “O direito à vida está acima de qualquer outro”, afirmou o médico.

Para Tereza Lyra, pesquisadora da Fiocruz, a adesão às medidas de isolamento diminuiu. “Soma-se a isso um governo federal que joga contra o controle da pandemia”, critica.

A pesquisadora acredita que houve avanços nas medidas adotadas pelo governo estadual, mas defende que sejam ainda mais restritivas. É o mesmo entendimento de Feitosa, que identifica um “estrangulamento da rede de saúde”. Ele observa que a doença se espalha, particularmente, pela circulação de pessoas que não apresentam sintomas.

“Estamos propondo que haja um avanço das medidas, com todo cuidado de diálogo, de proteção das pessoas na periferia, de suporte”, ponderou. “Não dá para a gente simplesmente dizer ‘fique em casa’. Quais as condições que daremos para as pessoas?”, questionou. “As escolas poderiam ser centros de acolhida para pessoas que não têm condição de fazer sua quarentena em casa”, sugeriu.

Dignidade

A especialista em saúde pública Verônica Almeida reforçou: “Se a pessoa não pode buscar o alimento, o alimento tem de chegar até ela. A água potável, com caminhão-pipa. Tem de se garantir a assistência perto de casa, o posto de saúde tem de estar funcionando”.

O professor Manoel apontou a necessidade de se discutir a questão a partir da ótica dos direitos humanos. “Segurança alimentar é tão importante quanto a saúde. A dignidade humana não pode ser fragmentada”, afirmou. Ele identifica a oportunidade, após a crise, de “repensar” a sociedade. “Vamos disputar para que o mundo seja mais humanizado. Agora é momento de a gente ressignificar a vida.”

Na UTI, o Bloco Vida

Outro debate sobre o tema foi feito pela assessoria de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ouvindo a professora Maria da Penha de Sá, chefe da Divisão de Enfermagem do Hospital das Clínicas. O HC da universidade organizou o Bloco Vida na UTI, dando aos espaços os nomes de Vitória, Esperança e Fé, com a preocupação de “humanizar” ao máximo o tratamento.

Segundo Penha, a Terapia Intensiva está com 100% da capacidade – os 18 leitos estão ocupados. Há ainda 14 casos semi-intensivos na enfermaria. Ela informou que mais de 100 profissionais de saúde da instituição já chegaram a ser afastados. Atualmente, esse número está em torno de 60.

“O medo existe. A gente vem todo dia pra cá com medo, ansioso, a família questionando”, relatou a chefe de enfermagem, que acredita viver seu maior desafio na carreira. “A equipe é multiprofissional, ninguém trabalha sozinho. Também é preciso cuidado com a saúde mental, tentar fazer outras atividades.”

Balanço: 2.752 curados

De acordo com a Secretaria de Saúde, dos casos considerados graves no estado, 1.508 receberam alta e estão em isolamento domiciliar, enquanto 2.858 permanecem internados, sendo 2.622 em leitos de enfermaria e 236 em UTI. O boletim divulgado ontem registra 55 pacientes recuperados, totalizando 2.807.

Dos 83 óbitos confirmados ontem, 30 foram em Recife e nove, em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana, além de outros 27 municípios. Do total, 65 tinham comorbidades, como hipertensão (35) e diabetes (23). No recorte por idade, 20 tinham de 60 a 69 anos, 18 de 70 a 79 anos e 16, 80 anos ou mais. Além deles, 14 de 50 a 59 anos, sete de 30 a 39, seis de 40 a 49, um de 20 a 29 e mais um com menos de 10.



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