Militares acima de todos

Para ex-ministro Temporão, militarização na Saúde é ‘tirar ministério do jogo’

Saída do secretário Wanderson Oliveira marca processo ‘irresponsável’. ‘O resultado disso é mais contaminação e mortes’

Erasmo Salomão/MS
Erasmo Salomão/MS
"Por mais competente que possa ser em logística ou na carreira militar, de saúde não entende nada", critica ex-ministro. No lugar de técnicos, outros 15 militares já foram nomeados para a pasta de Saúde

São Paulo – Para o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, há um método e não é por acaso que o governo de Jair Bolsonaro promove uma militarização na Saúde. Médico sanitarista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Temporão avalia, em entrevista ao Brasil TVT haver um processo “irresponsável” por parte do presidente cujo resultado é certo: “mais contaminação, aumento da velocidade de disseminação do vírus, mais casos graves e mais mortes”. 

“É proposital. O que presidente fez é realmente tirar o Ministério da Saúde do jogo. O que ele está fazendo permanentemente é estimular de maneira irresponsável as pessoas a saírem para às ruas, voltarem ao trabalho”, explica aos jornalistas Marilu Cabañas e Cosmo Silva. A saída do secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Wanderson Oliveira, anunciada neste domingo (24), marca de forma simbólica essa postura de Bolsonaro. 

Enfermeiro epidemiologista, Wanderson é um dos principais responsáveis pela estratégia de combate à covid-19. Mas deixa o cargo, nesta segunda-feira (25), depois de constantes atritos e da demissão dos últimos dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Sem chefe e em crise, a pasta vem sendo dirigida interinamente pelo general Eduardo Pazuello, que já nomeou ao menos outros 15 militares para postos-chave. 

“O presidente colocou para fora do ministério dois ministros que eram médicos, que prezavam pela ciência, que pautavam seu comportamento obedecendo essas evidências. E colocou uma pessoa que não é da área de saúde e que, por mais competente que possa ser em logística ou na carreira militar, de saúde não entende nada. É alguém que não vai confrontá-lo”, avalia Temporão. 

Longe do pico do covid-19, perto do caos 

As mudanças ocorrem num momento em que o país está longe de atingir o pico da pandemia do novo coronavírus. Segundo o ex-ministro, a expectativa é que durante o mês de junho o Brasil ainda tenha um aumento sustentado e importante da doença. 

“Toda essa situação se agrava exatamente por essa descoordenação proposital liderada pelo governo federal, e pelas dificuldades que estados e municípios sozinhos têm de enfrentar essa situação”, lamenta. 

Temporão destaca que essa é a “primeira vez na história da República” que temos uma “governança paralela”. “Nós temos o governo federal e o presidente em uma grande frente contra a vida. E temos os cientistas, governadores e prefeitos tentando construir uma frente em defesa da vida”, afirma. “Essa é a situação que estamos vivendo. Cotidianamente (o governo federal e o presidente) estão cometendo um crime contra a saúde pública.” 

Brasil, um perigo para os vizinhos 

A situação no Brasil e a condução do governo diante da pandemia causam preocupação em outros países, de acordo com o médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz. Em decreto divulgado neste domingo, os presidente dos Estados Unidos Donald Trump proibiu a entrada de brasileiros e demais cidadãos não-americanos, que estiverem no Brasil, em solo estadunidense. 

A decisão entra em vigor a partir desta sexta (29) – devido ao descontrole nacional da covid-19 – e vigorará por tempo indeterminado. “O Brasil se transformou em um perigo para os seus vizinhos e para os continentes porque o epicentro da pandemia, neste momento, está aqui na América do Sul, liderada pelo Brasil”, crítica o ex-ministro da Saúde. 

Confira a entrevista da TVT na íntegra


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