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Na linha de frente contra a pandemia, técnicos de enfermagem lutam sem proteção

Segundo sindicato da categoria, a capital fluminense já registra – oficialmente – um total de 31 óbitos de enfermeiros e auxiliares aparentemente provocados pela covid-19

reprodução arquivo pessoal
reprodução arquivo pessoal

Rio de Janeiro – Ao lado dos médicos e outros profissionais na linha de frente do combate à covid-19, os técnicos e auxiliares de enfermagem convivem com uma realidade que os coloca em situação de extrema vulnerabilidade face ao coronavírus. A falta de condições ideais de trabalho, combinada ao descaso histórico por parte do poder público e dos empresários do setor de saúde, criou um cenário nefasto para a categoria que vem resultando em um número crescente de óbitos e afastamentos.

Dados fornecidos por secretarias de saúde e entidades do setor apontam que desde o início da epidemia já morreram mais de 20 profissionais da saúde em todo o Brasil e quase dez mil foram afastados por suspeita de infecção pelo coronavírus. Segundo um estudo do Conselho Nacional de Saúde, o número de profissionais do setor que serão contaminados poderá chegar a 365 mil, cerca de 10% do total em todo o país.

Hipertenso e diabético, o técnico de enfermagem Jorge Luiz de Lima, de 49 anos, foi a mais recente vítima fatal registrada oficialmente na categoria no Rio de Janeiro. Ele, que morreu na terça-feira (21), trabalhava no atendimento direto aos pacientes infectados pelo coronavírus em duas frentes na capital fluminense: o hospital municipal Miguel Couto (zona sul) e o posto de saúde Patrícia Marinho, em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense).

Viúva de Lima, com quem foi casada por 27 anos, a também técnica de enfermagem Nilcemar Melo diz que o marido “era um guerreiro” que procurou exercer sua profissão com amor e dignidade “mesmo sem equipamentos de proteção adequados e com a possibilidade de ficar doente”.

O caso de Lima é emblemático ao combinar os dois principais fatores de risco para os profissionais da saúde: a existência prévia de comorbidades e a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) necessários ao exercício seguro da medicina, enfermagem e atividades correlatas nesse período de epidemia. Apenas no Rio de Janeiro, essa combinação já causou oficialmente até a noite de quarta-feira (22) a morte de seis profissionais do setor. De acordo com os dados oficiais das secretarias estadual e municipal de Saúde, os afastamentos provocados pela doença na rede pública já ultrapassam a marca de 1,8 mil.

É importante salientar que estes são os números oficiais e não levam em conta os casos não confirmados e a provável subnotificação. Segundo o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Município do Rio de Janeiro (Satem-RJ), um total de 31 óbitos de enfermeiros e auxiliares, aparentemente provocados pela covid-19 no estado, aguarda confirmação. Além dos médicos e enfermeiros, aí estão incluídas outras profissões que atuam nos hospitais e postos de saúde, como maqueiros, radiologistas, etc.

Luta por liminares

Para deter a disseminação do coronavírus e os óbitos na categoria, o Sindicato luta judicialmente e desde o começo da epidemia já ajuizou onze ações, tendo obtido parecer favorável em sete liminares. A liminar mais recente foi obtida em defesa dos trabalhadores do hospital municipal Pedro II, unidade da zona oeste do Rio administrada pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (ASPDM). Lá, 15 técnicos de enfermagem têm idade igual ou superior aos 60 anos, o que os coloca em um dos grupos de risco de contágio.

O pedido urgente de liberação de comparecimento ao trabalho, com manutenção da remuneração, para esses profissionais foi aceito de forma liminar na terça-feira (21) pela juíza Daniela Muller, da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Em seu despacho, a juíza diz reconhecer que a atividade dos profissionais da enfermagem “é essencial e está sendo muito demandada nas atuais circunstâncias”, mas ressalta que “a manutenção dessa atividade não pode se dar à custa de exposição dos profissionais a extremo risco”.

Muller cita também a “inviolabilidade do direito à vida e à segurança”, prevista na Constituição Federal. O profissional do setor, afirma a juíza, “tem que ser protegido, como ser humano que é, independente da essencialidade do serviço que presta, no intuito de resguardar também sua integridade, de acordo com suas limitações humanas”.

Outra liminar favorável ao Satem-RJ foi concedida no domingo (19) pela juíza Luciana Pereira das Neves, da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. O alvo foi a Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S/A (RioSaúde), que controla o hospital Ronaldo Gazolla, unidade de referência no atendimento de pacientes da Covid-19 no Rio, além de outros grandes hospitais voltados ao atendimento das populações mais carentes e 200 Clínicas da Família: “Contando somente os técnicos de enfermagem, a RioSaúde emprega 2,5 mil profissionais. Nossa estimativa é que 15% deles sejam afastados. Hoje já são 10%”, diz José Carlos Nunes, advogado do sindicato.

A empresa recebeu da Justiça notificação para liberar imediatamente do trabalho os profissionais incluídos nos grupos de risco: “A pandemia a que fomos submetidos exige esforços para evitar o colapso do sistema de saúde, mas por certo a saúde e a vida dos profissionais também precisam ser preservadas, e tal responsabilidade cabe ao Estado, ao gestor da atividade, a quem lucra com aquele trabalhador”, afirma a juíza. Decisões idênticas foram tomadas em unidades como a tradicional Clínica São José e Casa São Bernardo, com 1,2 mil técnicos de enfermagem afastados.

Dificuldade com EPIs

“A maior parte das ações movidas pelo sindicato tratou da liberação dos profissionais em grupos de risco – com mais de 60 anos, doenças respiratórias, doenças autoimunes, diabéticos, cardíacos e hipertensos. Outras ações tratam do fornecimento obrigatório de EPIs como máscaras, luvas, capotes e gorros. Estas se encontram ainda em apreciação e sem concessão de liminares”, afirma Nunes.

O fornecimento de EPIs, segundo o advogado, acaba virando uma batalha inócua: “Diversos sindicatos ganharam ações nesse sentido, mas não tem máscara no mercado. Não há como controlar esse fornecimento. Mas, o certo é que há pouco equipamento, há pouco material”.

Nunes avalia que essa é uma questão complexa e que depende de fatores externos como, por exemplo, uma ação mais eficiente do governo federal: “Uma coisa é você conseguir afastar o trabalhador da empresa e garantir o seu salário integral, como temos feito. Outra é conseguir materiais e equipamentos. A questão dos EPIs é mais complicada, pois as empresas querem comprar, mas não há para vender”.


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