dose certa

CPI da Furp pede rompimento de PPP com laboratório por prejuízo ao estado de São Paulo

Deputados rejeitaram relatório do governo de João Doria e recomendaram também a investigação contra ex-secretário da saúde de Geraldo Alckmin

Divulgação/AEC
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Chedid (à esq.), presidente da CPI da Furp, recebe de Auricchio o relatório que recomendou o rompimento com a EMS

São Paulo – A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de São Paulo que investigou denúncias de corrupção na construção da fábrica da Fundação para o Remédio Popular (Furp), na cidade de Américo Brasiliense, no interior, recomendou o rompimento do contrato de parceria com a indústria farmacêutica EMS, iniciado em 2013, com ou sem acordo. Para os deputados estaduais, o maior problema que a Furp enfrenta é justamente esse acordo de parceria público-privada (PPP) com a empresa, que causa um prejuízo anual de aproximadamente R$ 56 milhões ao governo paulista. O relatório final da CPI da Furp foi aprovado ontem (6).

Antes, os deputados rejeitaram o relatório elaborado pelo deputado estadual Alex de Madureira (PSD), que não apontava para nenhum tipo de ação por parte da CPI da Furp. O documento dele apenas reafirmava a outros órgãos que as investigações por eles iniciadas deviam prosseguir. E não citava nenhuma das pessoas que tiveram condutas suspeitas citadas no decorrer da investigação parlamentar. O parecer alternativo foi aprovado com votos dos deputados Thiago Auricchio (PL), Agente Federal Danilo Balas (PSL), Cezar (PSDB), Beth Sahão (PT), Edmir Chedid (DEM) e Vinicius Camarinha (PSB).

Entre os problemas elencados pelos deputados, está o fato de que a Furp tinha uma situação financeira estável antes da construção da fábrica de Américo Brasiliense. A estatal teve que assumir gastos não planejados de construção e início da operação da outra unidade. Logo em seguida a gestão foi entregue à EMS por meio de uma PPP. No entanto, muitos medicamentos antes fabricados em Guarulhos, local da antiga sede, na região metropolitana, foram transferidos para Américo Brasiliense. Além disso, a empresa teve de pagar uma indenização, considerada suspeita, de R$ 18 milhões, da qual não recorreu, ao consórcio que construiu a segunda fábrica.

“Deve-se ressaltar que toda a dívida acumulada pela Furp é fruto de investimentos em obras e aquisição de equipamentos e medicamentos da unidade de Américo Brasiliense, a preços acima da ata de registro de preços e a Secretaria da Saúde, no começo da operação, não repassou os valores devidos ou quando começou a repassar, repassou com valor inferior, justificando que deveria pagar o preço da ata, causando esse enorme passivo à FURP”, diz o relatório da comissão parlamentar.

Além disso, a expectativa para o contrato de R$ 2,3 bilhões com a EMS era de que a empresa fizesse R$ 130 milhões em investimentos nos cinco primeiros anos da concessão, que tem prazo de 15 anos. Além disso, deveria obter licenças e produzir 96 medicamentos para fornecer às unidades de saúde estaduais e municipais. Passados seis anos, a empresa só produz 13 medicamentos, pelo dobro do preço de mercado, e os investimentos ficaram em torno de R$ 70 milhões.

A EMS – que criou uma personalidade jurídica específica para gerir o contrato com a Furp, a Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM) – cobra ressarcimento de R$ 65 milhões do governo paulista, por conta da distorção entre os preços de mercado e os previstos em contrato. Para compensar o problema, o governo de Geraldo Alckmin (2010-2018) passou a fazer repasses fixos de R$ 7,5 milhões por mês à empresa, independentemente da quantidade de medicamentos. A empresa ainda é isenta de ICMS e não tem gastos com distribuição, que é feita pela Furp estatal.

“A comissão deixa contribuições importantes ao Estado. Ela apontou problemas, denunciou desvios e, principalmente, apresentou alternativas para o futuro da Furp. Estamos muito satisfeitos. A CPI da Furp trouxe subsídios para que o governo não apenas mantenha a Furp, como aprimore sua gestão. É um grande legado, do qual muito me orgulho. Estamos falando de uma fundação com mais 50 anos de serviços prestados à saúde pública. Um patrimônio de todos os paulistas”, afirmou o deputado estadual Edmir Chedid, que presidiu a CPI.

A comissão recomendou também a manutenção da operação da estatal em Guarulhos, contrariando o interesse do governador João Doria (PSDB), que quer privatizar a fábrica.

Ex-secretário

A CPI da Furp também pediu ao Ministério Público Estadual a abertura de uma investigação contra o ex-secretário de Estado da Saúde Giovanni Guido Cerri, por suspeitas de favorecimento na vitória da EMS na licitação da PPP da fábrica da Furp em Américo Brasiliense. Após deixar a secretaria, Cerri abriu uma empresa chamada Clientech Participações, com capital social de R$ 1 mil, tendo como sócios dois executivos da indústria farmacêutica EMS. Um mês e meio depois, a NC Investimentos, controladora da EMS, comprou R$ 10 em ações da Clientech e investiu R$ 1,499 milhão na empresa recém-criada.

A empresa foi aberta em 29 de julho de 2016, quase três anos depois de Cerri deixar a secretaria. Na ficha cadastral mantida na Junta Comercial de São Paulo, no ato de fundação da empresa aparecem como sócios dele o empresário Leonardo Sanchez Secundino, dirigente da NC Investimentos; Julio Cesar Borges, executivo da EMS; e Eleuses Vieira de Paiva, médico e ex-deputado federal. Em 15 de setembro do mesmo ano, a acionista Auvergne Administradora de Bens e Participações vendeu sua parte à NC Investimentos, que fez o aporte de quase R$ 1,5 milhão na sequência.

Cerri foi secretário da Saúde do governo Alckmin entre 4 de janeiro de 2011 e 14 de agosto de 2013. Na sua administração, a gestão da fábrica da Furp foi licitada e a vencedora foi a EMS, que também foi a única empresa a apresentar proposta. O ex-secretário deixou o cargo apenas 15 dias depois da publicação do resultado da concorrência que garantiu à EMS o contrato da PPP. Na época, ele alegou que queria se dedicar mais à vida acadêmica, como professor da Universidade de São Paulo (USP).

Propina

O relatório da CPI da Furp também apresenta denúncia por corrupção e improbidade administrativa contra o ex-superintendente da Furp Flávio Francisco Vormittag, atual coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, o ex-assessor técnico de engenharia Ricardo Luiz Mahfuz e o ex-gerente de divisão industrial Adivar Aparecido Cristina. Eles teriam participado de um esquema de propina para que a Furp não recorresse de uma decisão judicial de indenização ao consórcio que construiu a fábrica.

O ex-gerente executivo da Camargo Corrêa na construção Martin Wende relatou ao Ministério Público ter sido procurado por Mahfuz, à época funcionário da estatal, propondo o acordo. Para isso, o consórcio deveria pagar 10% do valor a Vormittag (cerca de R$ 1,9 milhão). Mais R$ 400 mil ao próprio Mahfuz, por intermediar o esquema de corrupção.

A Furp realmente não questionou a decisão judicial e o processo foi encerrado em 6 de março de 2014, com a assinatura do acordo judicial. Cada empresa teria de arcar com um percentual relativo à sua participação no consórcio. No entanto, com o início da Operação Lava Jato, os pagamentos foram interrompidos. E até hoje a Camargo Corrêa não conseguiu o termo de encerramento da obra. Isso porque, segundo relatou Wende, toda vez que solicitavam o documento eram cobrados do pagamento do restante da propina, tanto por Mahfuz como por Adivar.

As informações do esquema de corrupção foram confirmadas em delação assinada por Emílio Eugênio Auler Neto, então diretor Comercial e Institucional Sul e Sudeste da Camargo Corrêa, que era chefe de Wende. Os acordos são assinados pelo promotor de Justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) do MP. O caso corre em segredo de Justiça e todos os envolvidos negam participação no esquema. O Ministério Público não se manifestou sobre a demora em apresentar denúncia sobre o caso.

O relatório final também propõe a obrigatoriedade de prestação de contas anual da Furp na Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa. A mesma comissão será responsável por sabatinar os indicados à superintendência do órgão a cada transição. A CPI da Furp ainda recomendou a mudança da composição do conselho deliberativo da Furp, garantindo duas cadeiras para os servidores de carreira da estatal. Hoje, o colegiado é formado por uma comissão de notáveis, sem relação direta com a estatal. O documento será encaminhado ao Ministério Público do Estado, ao Ministério Público Federal, à Defensoria Pública, à Polícia Civil, à Polícia Federal, ao Tribunal de Contas do Estado e à Corregedoria-Geral da Administração do Estado.

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