SUS sob ataque

Índios da etnia Guarani protestam contra desmonte das políticas de saúde

Eles são contrários à proposta de municipalização do serviço defendida pelo governo Bolsonaro. Temor é de que o atendimento fique ainda mais precarizado, já que as prefeituras têm menos recursos

Gabinete Juliana Cardoso

Em ato da semana de mobilização nacional em defesa da saúde indígena, Guaranis ocuparam simbolicamente a sede da prefeitura paulistana

São Paulo – Indígenas da etnia Guarani de aldeias do Jaraguá, na zona noroeste da capital, ocuparam simbolicamente na manhã de hoje (27) a sede da prefeitura de São Paulo, no vale do Anhangabaú, no centro. Eles queriam ser recebidos pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e pedir que o tucano se posicione contra a proposta do governo de Jair Bolsonaro (PSL) de transferir para as prefeituras a gestão do atendimento. Atualmente é responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. 

O ato marcou a semana de mobilização nacional em defesa da saúde indígena, iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No último domingo (24), a entidade divulgou nota em que condena a municipalização da saúde indígena, “pois a intenção é unicamente o desmonte da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), historicamente conquistada com muita luta pelo movimento indígena”.

Integrante da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em São Paulo, Aleandro Silva afirma que a municipalização consolidará o genocídio dos povos indígenas. “Já há cortes, tanto que muitos trabalhadores de organizações que fazem a gestão do atendimento estão há mais de três meses sem receber salários. Se acabarem com o atual modelo será um genocídio. As prefeituras não têm condições de prestar esse atendimento”.

Ele destaca a situação precária de unidades básicas de saúde mantidas pela prefeitura de São Paulo. Na Terra Indígena Jaraguá, por exemplo, faltam sala de vacina, de inalação e dentista. Havia dois médicos, mas um deles foi demitido. “Se na cidade mais rica do país o atendimento à saúde indígena está nessa situação, como será então se prefeituras mais pobres tiverem de oferecer isso, mais os recursos necessários para atender adequadamente povos de aldeias distantes, o que requer carros, barcos e até aviões? Os indígenas estão vulneráveis. Dependem do estado. E se hoje há precariedade no atendimento mantido pelo governo federal, como deverá ficar se municipalizado?”

Passar para os municípios, segundo Silva, não é a solução. Ele cita equívocos cometidos pelo ministro da Saúde, o ruralista Luiz Henrique Mandetta, que demonstram total desconhecimento da questão. “Insensível e cruel, ele chega a questionar a necessidade de carro para atender indígenas. Há aldeias que ficam a 30, 40 quilômetros do local de atendimento mesmo nas cidades. Outras só há acesso com carros de tração. Ou barcos. E estamos falando de populações completamente vulneráveis, sem recursos, passando necessidade. No ano passado, a Funai cortou a distribuição de cestas básicas”.

O integrante do Cimi chama atenção para a necessidade de qualificação do serviço, especialmente com capacitação de recursos humanos para a compreensão da cultura e saberes indígenas. O preconceito, aliás, tem desencorajado a procura por serviços médicos.

“Da Terra Indígena do Jaraguá, muitas mães relatam não gostar de ir ao hospital municipal de Pirituba, onde são destratadas. Contam que enfermeiros e médicos reclamam que as crianças estão sempre sujas. Ora, não estão sujas. A terra no corpo, para eles, é estar em contato com a terra, a mãe terra. E isso tem de ser respeitado”.

Reivindicação

Desde a criação da Funai em 1967, diferentes instituições e órgãos governamentais foram responsáveis pelo atendimento à saúde dos povos, o que nunca foi satisfatório.

Com a criação da Lei Arouca (Lei 9.836/1999), a gestão voltou para o Ministério da Saúde, que tinha como responsabilidade estabelecer as políticas e diretrizes para a promoção, prevenção e recuperação da saúde indígena. As ações passaram a ser executadas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) por meio da criação e implementação dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei’s) em todo o país comandados por associações indígenas e indigenistas, além de algumas administrações municipais.

De acordo com a Apib, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi) vinculado diretamente ao SUS, passou a ser alvo de graves denúncias de corrupção e deficiências no atendimento. O movimento indígena passou a reivindicar uma secretaria específica no âmbito do Ministério da Saúde. Assim foi criada a Sesai em 2010, após meses de discussões do grupo de trabalho criado na época pelo próprio governo federal, composto por 26 membros, entre representantes do Ministério da Saúde, da Funasa, da Funai e de lideranças indígenas.

Na última quinta-feira (22), a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e candidata a vice na chapa de Guilherme Boulos (Psol) na disputa presidencial de 2018, Sonia Guajajara, pediu mobilização. “O ministro da Saúde Luiz H. Mandetta, de forma altamente criminosa prende os recursos da Saúde indígena e anuncia a extinção da Sesai, entregando essa responsabilidade aos municípios. Muitos indígenas já estão sendo obrigados a interromper seus tratamentos. Mobilização já!”, conclamou por meio de uma rede social.

Em nota enviada à RBA, o Ministério da Saúde informou que as mudanças ainda estão sendo analisadas e discutidas. E negou descontinuidade das ações. Em vez disso, estuda “aprimorar o atendimento diferenciado à população indígena, sempre considerando as complexidades culturais e epidemiológicas, a organização territorial e social, bem como as práticas tradicionais e medicinais alternativas à medicina ocidental”.

Segundo o ministério, o orçamento da Sesai passou de R$ 431,5 milhões em 2011 para R$ 1,4 bilhão em 2019, para o aprimoramento da qualidade de vida dessa população, como custeio das ações, pagamento dos salários dos profissionais e investimentos em edificações e saneamento básico, além da aquisição de insumos e equipamentos. A pasta confirmou ainda a realização da 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, que deverá ocorrer entre os dias 27 a 30 de maio, em Brasília.