Entre a ciência e a ética

Edição genética de bebês chineses é ‘loucura’, diz cientista

Professora da USP Mayana Zatz explica que ainda são necessárias muitas pesquisas para edição gênica em embriões humanos, dada a possibilidade de mudança aleatória em outros genes

Pixabay

É preciso acompanhamento para avaliar eventuais alterações aleatórias, que podem ser transmitidas para outras gerações

São Paulo – O geneticista chinês He Jiankui, da Universidade de Shenzhen, anunciou nessa terça-feira (27) ter criado os primeiros bebês geneticamente editados do mundo. A façanha, não publicada ainda em nenhuma revista científica, teria sido feita por meio da técnica denominada CRISPR, sigla em inglês de Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats.

“A tecnologia CRISPR permite editar genes de um modo muito rápido e a um custo menor que qualquer tecnologia anterior. Mas existe um consenso entre os cientistas de que ainda são necessárias muitas pesquisas para editar genes em embriões humanos. Isso porque ainda não conseguimos ter certeza de que alterando um gene específico não estamos alterando outros genes de maneira aleatória”, diz a professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP Mayana Zatz. Em sua coluna na Rádio USP, ela alerta também para o fato de que essas eventuais alterações aleatórias podem ser transmitidas para outras gerações.

“Por outro lado, defendo que se possa fazer pesquisas em embriões para alterar genes que causam doenças genéticas para as quais não existe cura, como as distrofias musculares, onde se tem uma degeneração progressiva e irreversível da musculatura”, aponta. “Mas repito, por enquanto seriam só pesquisas.”

Para lembrar

No caso dos gêmeos, os dois embriões foram fecundados por meio de inseminação artificial por um casal em que um dos membros é HIV positivo. “O mais surpreendente é que não foi editado nenhum gene para uma doença letal, intratável, mas sim para conferir resistência ao vírus HIV. Sabemos que pessoas que nascem com uma variante genética chamada CCR5 são resistentes ao vírus, ela não permite que o vírus penetre na célula. E foi essa variante modificada nos bebês que acabam de nascer”, explica Mayana.

A cientista adverte para os riscos do procedimento. “Se por um lado editar o gene CCR5 não é difícil tecnicamente, submeter um embrião a uma tecnologia de tanto risco é uma loucura”, afirma. “Essas gêmeas terão que ser seguidas a longo prazo para se garantir que elas não desenvolvam outras patologias decorrentes da alteração de outros genes. Por exemplo, se forem alterados genes supressores de tumores, elas podem desenvolver tumores porque esse gene foi alterado.”

“Quando se trata de vidas humanas e de tecnologias que podem afetar negativamente gerações futura, todo cuidado é pouco”, conclui.

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