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Questionados em território britânico, Aedes transgênicos voam livres no Brasil

Indaiatuba passa a liberar nova linhagem do inseto. A primeira, solta em Piracicaba e Juiz de Fora, não funciona nas Ilhas Cayman. E-mails mostram que, mesmo assim, a Oxitec cobra caro: US$ 8 milhões

Giuliano Miranda/RIC/PMI

Primeiros mosquitos transgênicos liberados no município. Prefeito acredita em custo zero

São Paulo – O município de Indaiatuba, na região de Campinas (SP), é o primeiro a despejar sobre bairros habitados uma nova linhagem do mosquito Aedes aegipty, desenvolvida pela empresa Oxitec. A liberação já havia sido aprovada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em agosto passado, sob protestos de especialistas. Para eles, ao lançar essa segunda geração, a empresa admite falhas na primeira.

“Estamos colaborando com um trabalho que utiliza modernas técnicas de manipulação genética na tentativa de reduzir a população desse inseto transmissor de graves doenças. Acreditamos que este novo “Aedes do bem” desenvolvido pela Oxitec trará resultados muito positivos e importantes para a nossa cidade”, destacou ontem (23) o prefeito Nilson Gaspar (MDB), durante o evento que marcou a liberação e o início da parceria e que contou com a presença do CEO da Oxitec, Grey Frandsen. A companhia é vinculada à norte-americana Intrexon.

Batizada de OX5034, a segunda linhagem sucede a OX513A, despejada em bairros de Piracicaba desde 2015, e em Juiz de Fora a partir de janeiro passado. Segundo a companhia, os resultados na redução de populações selvagens dos mosquitos nesses municípios “são bons”. E que a nova geração tem como diferencial a morte das fêmeas ainda na fase de larva.

Oxitec e prefeitura de Indaiatuba afirmaram que a liberação é acompanhada de monitoramento para avaliação da longevidade e capacidade de reprodução da linhagem nos locais de soltura. Que não haverá custos aos cofres públicos durante os 36 meses de avaliação e 18 meses de soltura. E mais: que a tecnologia não dispensa as medidas convencionais de controle ao vetor.

Ou seja, a gestão municipal se compromete a continuar o trabalho de eliminação dos focos de água parada onde o Aedes se reproduz, uma vez que a nova linhagem é uma estratégia adicional no combate ao mosquito transmissor do vírus da dengue, Zika e chikungunya. E a população deverá continuar fazendo sua parte.

US$ 8 milhões

Ao contrário de gestores brasileiros, que festejam a “parceira”, órgãos de saúde das Ilhas Cayman, território britânico onde a tecnologia já vem sendo aplicada, põem em dúvida sua eficácia, que não sai de graça. Pelo menos é o que indicam cópias de e-mails trocados entre a Oxitec, diretores da Unidade de Controle e Pesquisa dos Mosquitos (MRCU, da sigla em inglês), um órgão governamental do território britânico no Caribe, e representantes do Ministério da Saúde daquele país. Os documentos foram obtidos pela organização britânica GeneWatch, por meio de um serviço semelhante à Lei de Acesso à Informação que vigora no Brasil.

Conforme as mensagens publicadas em relatório da organização não-governamental que atua em questões relacionadas a transgênicos, a Oxitec planejava cobrar US$ 8 milhões para lançar seus mosquitos em Grand Cayman, uma das ilhas que compõem o território, ao longo de três anos a partir de 2018. Em outras, falava-se em “compromissos contratados no valor de US$ 400 mil a US$ 500 mil por mês” durante preparativos para as liberações de mosquitos transgênicos em toda a ilha.

Há ainda os que mencionam, com frequência, pagamento adicional de US$ 409.749, contestado devido à falta de assinatura das partes.  Em outro, de outubro de 2017, o diretor interino da MRCU declarava: “O projeto-piloto da Baía de West Bay, para o período 2016-17, não deveria custar nada ao Governo das Ilhas Cayman. Foi apenas com a ‘extensão de implantação’ de maio a dezembro, que nunca foi acordada/assinada, com custos inseridos pela Oxitec…”.  Clique aqui para acessar a íntegra do relatório da Genewatch.

Em e-mail de abril de 2017, dirigido a Jennifer Ahearn, em que pede total sigilo, o chefe de gabinete no Ministério da Saúde, o assistente de direção da MRCU, Alan Wheeler expõe suas preocupações e dúvidas sobre a tecnologia – o que contradiz a propaganda da empresa no Brasil.

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Wheeler fala que foi informado de que uma nova proposta foi submetida, ao custo aproximado de US$ 8 milhões. Sem saber detalhes do contrato, se diz preocupado pelo fato de esses detalhes não terem sido discutidos na reunião do comitê diretor. “Enquanto a Oxitec e a MRCU estão fazendo declarações públicas proclamando uma grande redução na população da área de tratamento, os dados que vi não confirmam isso. Continuo apoiando a tecnologia, mas não estou convencido de que os dados coletados até o momento indiquem uma grande redução. Estou particularmente preocupado com o fato de o comitê não ter discutido os detalhes do novo contrato em nenhuma de suas reuniões ou as razões para expandir a atual área de testes”, escreveu.

Ele recomendava a continuidade dos testes pelo menos até o fim da estação chuvosa seguinte, para só então avaliar a técnica e confirmar sua eficácia. E reforçou achar imprudente qualquer proclamação pública do grande sucesso até que dados adicionais tivessem sido coletados e discutidos no comitê diretor. “Gostaria de solicitar uma reunião com você para relembrar os dados coletados”.

Em comunicado à imprensa, a GeneWatch destaca que, nas Ilhas Cayman, onde são testados insetos da mesma linhagem de Piracicaba e Juiz de Fora, houve, na verdade, um aumento significativo no número de fêmeas do mosquito coletadas na área de liberação experimental. “O que é provavelmente devido à liberação inadvertida de um grande número de mosquitos transgênicos fêmeas, que podem picar e transmitir doença”.  

A nota lembra ainda a propaganda da empresa, que apregoa repetidamente que seus experimentos foram bem sucedidos, alcançando mais de 90% de redução da população de mosquitos Aedes aegypti.

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