Contra desgaste

Gestão tucana desiste de fechar unidades de saúde em São Paulo

Suspensão da reorganização da rede de saúde na capital, que previa fechar 108 Amas e UBSs 'fora de padrão', escancara o improviso de mais uma política autoritária de João Doria e Bruno Covas

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Ama Jardim Myrna, na zona sul da capital, já havia sido fechada

São Paulo – Em 16 meses, a gestão iniciada pelo então prefeito João Doria (PSDB), que largou o cargo para concorrer ao governo do estado e passou o comando para seu vice, o também tucano Bruno Covas, coleciona mais um projeto barrado pela pressão popular: a chamada reestruturação da rede municipal de saúde, que previa o fechamento de 108 unidades de atendimento médico ambulatorial – as Amas – e tantas outras unidades de saúde consideradas “fora de padrão”.

A proposta era muito semelhante à do padrinho político de Doria, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, outro tucano que deixou o cargo para disputar eleições. Em 2015, Alckmin anunciou a reorganização da rede de ensino, que consistia no fechamento de escolas e na extinção do noturno em diversas unidades. Mas recuou diante da forte pressão dos estudantes, que apoiados por pais e professores ocuparam as escolas e as ruas.

Assim como Alckmin foi à TV anunciar a suspensão da sua reorganização, o secretário municipal de Saúde, Wilson Pollara, que assumiu junto com Doria, usou a TV para comunicar a interrupção do projeto. O anúncio foi feito na quinta-feira (3), após reunião com representantes dos usuários da rede municipal de saúde, dos médicos, do Ministério Público e de movimentos em defesa do SUS, convocada pela promotora de Justiça Dora Martins Strilicherk, da área de Saúde Pública da Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público (MP) estadual, que recebeu diversas representações de usuários do SUS municipal (clique aqui para ler a ata da reunião).

“Estamos dispostos a acatar recomendação do Ministério Público e interromper a reestruturação, parar com tudo e criar um grupo de discussão para que daqui a alguns meses a gente chegue a alguma conclusão do que a gente possa fazer de melhor para essa população. Tudo o que for relacionado a esse estudo que nós fizemos, que foi considerado inadequado, podemos reverter. São OSs (organizações sociais) que podem demitir ou contratar imediatamente”.

O recuo da gestão Doria-Covas vem na sequência de outras ideias mal sucedidas em áreas diretamente ligadas à saúde, como  a tentativa de fechar farmácias em postos de saúde para privatizar a entrega de remédios, da demissão sumária de bolsistas do programa jovem SUS, que ajudaram a melhorar o fluxo dentro das UBSs, e da inclusão da “ração humana” no cardápio da merenda escolar e de entidades assistenciais.

diferença é que a chamada reestruturação já estava em curso, com unidades de saúde já fechadas, como as UBSs República, no centro, Parque Imperial, na zona Sul, e Parque Tietê, na zona leste, entre outras, além de mudanças em horários de atendimento. 

Médico da Família e da Comunidade, assistente do Programa de Residência Médica da Faculdade de Medicina da USP e integrante do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Stephan Sperling participou da reunião no Ministério Público. Na sua avaliação, o recuo é antes de tudo a derrota de uma ideia de assistência à saúde desconectada das necessidades reais da população e das vulnerabilidades – que deveriam ter sido traçadas a partir de um diagnóstico com a participação de todos os setores envolvidos.

“Eu tenho de concordar com o secretário Pollara de que é preciso reestruturar a rede de saúde. Mas uma reestruturação que atenda às necessidades, que acolha, e que não exclua aqueles mais vulneráveis diante de um quadro de queda de investimentos na saúde em âmbito nacional. Também concordo que as Amas estão desorganizadas. Mas apesar da desorganização, ainda são a porta de acesso à saúde. Precisamos de reestruturação, mas a partir do fortalecimento e ampliação da atenção básica, com universalização da cobertura do programa de saúde da família, o que requer investimento, construção de novas UBSs”, disse.

Outro equívoco do projeto coordenado por Pollara, segundo Stephan, é reduzir o atendimento ao público que a gestão considera “SUS dependente”. “Embora seja considerável o número de usuários de planos de saúde, é grande o número daqueles que estão deixando a saúde privada. E muita gente tem plano de saúde de baixa cobertura reduzida, focalizado em alguns exames. Definitivamente, estabelecer uma ‘população SUS dependente’ é uma afronta à universalidade do SUS e à Constituição”.    

Ministro da Saúde na gestão Dilma Rousseff e ex-secretário municipal da Saúde de São Paulo, Alexandre Padilha comemorou o que chama de derrota. “O Ministério Público, depois dos esforços e pressão da população e dos movimentos em favor de saúde, decidiu que a prefeitura do Doria não pode fechar as unidades de saúde, como ele gostaria. Seriam mais de 100 AMAs”, disse. Para Padilha, “um crime que foi impedido, pois fechar unidades de saúde que atendem a população é algo abominável, inominável. Vitória nossa, de muitas que estão por vir”.

Usuários dos serviços, conselheiros municipais de saúde e vereadores como Juliana Cardoso (PT), que integra a Comissão de Saúde da Câmara e encaminhou representações ao MP e ao Tribunal de Contas, comemoraram. Para eles, o recuo mostrou mais uma vez a força da mobilização popular contra um projeto que afeta diretamente a saúde e a vida da população que nem sequer foi chamada a participar das discussões. E sabem que devem ficar atentos a quaisquer manobras. Eles sabem que, assim como Alckmin deu continuidade à reorganização de maneira velada, por meio da extinção de turmas, Pollara pode seguir fazendo ajustes no serviço de saúde. 

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