Terceirização da saúde

A um mês da posse, Doria ainda não definiu os 50 hospitais privados da rede Corujão

Promessa de campanha, projeto é principal estratégia do tucano para reduzir a fila para exames em São Paulo, mas é também a mais combatida por especialistas: 'Uma farsa'

Arquivo/EBC

Para críticos do Corujão de Doria, mandar população aos hospitais apenas de madrugada é ilegal e discriminatório

São Paulo – A praticamente um mês da posse do prefeito eleito de São Paulo, João Doria Júnior (PSDB), seu secretário de Saúde, Wilson Pollara, ainda não definiu quais os hospitais que deverão fazer parte do chamado programa Corujão. De acordo com a assessoria de imprensa de Doria, a listagem que está sendo elaborada deverá incluir de 40 a 50 hospitais e serviços de diagnóstico particulares da cidade. No entanto, ainda não se sabe quais são, se a lista ficará pronta nesses 30 dias e quando deverá ser anunciada. O que há por enquanto, segundo a assessoria, “é muita especulação” a respeito.

Ontem (29), o jornal Agora publicou reportagem sobre a inabilitação da Santa Casa de São Paulo para participar de concorrências públicas por não ter certidão negativa de débitos emitida pela Secretaria Estadual da Fazenda. Conforme a reportagem, já em 2015 a entidade filantrópica que é das grandes apostas de Doria não pôde participar de licitações da prefeitura paulistana.

O fato é que o Corujão, principal promessa de campanha para diminuir a fila de espera para exames no município, é duramente combatido por especialistas. “Uma farsa”, segundo o diretor nacional do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares Thiago Henrique Silva.

Para o médico, a estratégia tucana não combate as causas da demanda por procedimentos, que é maior que a oferta de serviços, e transfere para a iniciativa privada recursos públicos que poderiam ser investidos na própria rede municipal.

“Chega a ser ilegal e discriminatório o projeto de levar pessoas para centros de saúde distantes de suas casas, em plena madrugada, para a realização de exames”, afirma. “A população, a mais pobre inclusive, tem o direito a atendimento e exames perto de seu domicílio, na hora conveniente. Do jeito que a proposta é apresentada, é como se a população tivesse de se contentar com o resto, com o que sobrou de um hospital privado depois que já atendeu durante o dia aqueles que têm condições de pagar”, diz.

Rede privada

Ele chama atenção também para o fato de que a realização de exames, os de imagem em especial, vai exigir a contratação de médicos para esses locais, já que os que atendem nesses locais à noite estão na escala de plantão.

Para ele, a proposta é um claro sinal de que Doria não vai investir na própria rede municipal e sim na rede privada. “E quem vai definir e fiscalizar como tudo isso será feito? A meu ver, essa solução mirabolante, para o atendimento de uma pessoa que espera há meses por um exame, é uma farsa”.

Embora contratar serviço privado não seja ilegal, há limites. A legislação determina serviços particulares são complementares ao serviço público, ou seja, não pode substitui-lo. “Doria chegou a falar em contratar a rede Dr. Consulta. Se contratar tudo o que está prometendo, e a presença privada ganhar dimensão maior que a pública, aí é ilegal”, diz o diretor do Cebes. O problema, segundo ele, é que não está definida em lei essa proporção. Dos exames de laboratório e de imagem pagos pelo SUS, só 8% são realizados em rede pública.

A fila para exames, segundo destaca, não vai diminuir se as suas causas não forem atacadas em sua origem. “A atenção básica à saúde, com mais unidades básicas e maior cobertura de equipes de saúde da família, que atuam na prevenção e atendimento a problemas mais simples, é capaz de resolver até 80% dos casos. Mas como não recebem investimentos, a população é tratada tardiamente, quando a doença se agravou. Então são necessários exames, procedimentos e cirurgias complexas.”

O presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti, integrante do Conselho Municipal de Saúde, também tem críticas ao modelo de Doria com ênfase na redução da fila. “A atenção primária continua sendo um gargalo. As equipes de saúde da família são insuficientes, estão sobrecarregadas, e a maioria dos médicos não tem residência em medicina de família e comunidade, o que prejudica ainda mais o trabalho. Para ser mais resolutiva, evitando doenças, tem de ter prioridade no município, o que não vi nem na atual gestão (Haddad)”, afirma, lembrando que os 1.090 médicos aprovados em concurso recente ainda não foram chamados.

Gatti critica também os conselhos gestores que Doria anunciou criar para cada uma das 22 secretarias, a maioria deles a ser chefiados por nomes ligados ao primeiro escalão do governo de Geraldo Alckmin. O da saúde será chefiado por David Uip, do qual Wilson Pollara é adjunto.

“Todo gestor tem de ser bem assessorado, por profissionais competentes. Mas esse conselho não pode se confundir com o Conselho Municipal de Saúde, constituído por todos os setores da sociedade, inclusive usuários do SUS, para fazer o controle social do SUS no município conforme determina a legislação”, ressalta.

Para o dirigente sindical e conselheiro de saúde, a tendência é que Dória dê mais espaço e peso ao seu conselho gestor. “Não acredito, porém, que o conselho municipal se torne um órgão periférico. Goste ou não do colegiado, o gestor (Doria) não pode encará-lo como algo que atrapalhe. Ao contrário. Os usuários representados trazem à gestão um panorama das demandas e da execução das políticas nas unidades. E um conselho como este, que na gestão passada (Kassab) teve sua atuação dificultada, chegando a fazer plenária na calçada, vai seguir atuante”, garante.

Leia também

Últimas notícias